Título: No lugar das empreiteiras
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 06/11/2005, O País, p. 2

O estouro do valerioduto petista vem mostrando que não é de hoje que as agências de publicidade substituíram as empreiteiras no papel de abastecedoras do caixa dois dos partidos com dinheiro surrupiado do Estado. Sem intermediários, com financiamento público exclusivo, sairia tudo muito mais barato.

O esquema de superfaturamento de obras pelas empreiteiras, em conluio com políticos, ruiu na CPI do Orçamento. Deve funcionar ainda, mas subsidiariamente. O uso de contas-fantasmas já fora detectado pela CPI do PC. As agências de publicidade e o caixa dois acabam se encontrando como a mão e a luva. Diferentemente das obras de infra-estrutura, que nos últimos anos ganharam parâmetros mais racionais para avaliação de seu valor, serviços publicitários são bens simbólicos, de complexa avaliação. O próprio TCU reconhece que não tem instrumentos para avaliar se o custo de uma campanha está correto ou superfaturado. Depois, as agências movimentam grandes somas de recursos. Repassam a maior parte aos órgãos de mídia mas com isso escapam dos controles da Receita, do Coaf e de outros órgãos de fiscalização. Por fim, podem simular também a prestação de serviços a empresas privadas para dissimular doações a políticos, a exemplo do que fazia Marcos Valério para a Usiminas.

A CPI dos Correios apostou desde o início que o dinheiro do valerioduto, usado para financiar campanhas e pagar mensalão, vinha de contratos superfaturados de publicidade. Deu seu primeiro tiro certeiro ao descobrir a conexão Visanet, que, mesmo não inteiramente demonstrada, está cercada de fortes evidências. A CPI aposta agora em novos achados nos contratos de outras estatais, também com outras agências. No meio publicitário ouve-se que as de Valério não são as únicas que atuam como repassadoras.

A DNA, de Valério, despontou no primeiro governo de Eduardo Azeredo em Minas e hoje se sabe que ali ocorreu o tucanoduto de 1998.

Agora mesmo na Bahia o Tribunal de Contas do Estado está investigando um duto semelhante. A estatal de turismo, Bahiatursa, movimentou R$101 milhões numa conta que não aparece na contabilidade pública. Dessa dinheirama, R$48,1 milhões foram transferidos para a agência de publicidade Propeg, que atende ao governo local.

A mesma revista que trouxe o assunto baiano para o plano nacional, a ¿Carta Capital¿, revisita na edição deste fim de semana um caso já conhecido, porém pouco comentado, com fortes indícios de que no governo passado já houve transferência irregular de recursos públicos para a agência SMP&B, de Valério. O ministro do Trabalho em 1998 era o mineiro Paiva e o contrato de R$25 milhões foi firmado com a Fundacentro, fundação do ministério dedicada a questões de segurança no trabalho. O material gráfico produzido para um evento de treinamento custou muitas vezes mais seu valor real. Foram usadas notas frias de uma gráfica inexistente registrada em nome de uma pobre mulher da periferia de São Paulo. Uma ação sobre o assunto corre na Justiça desde 2001.

Na terça-feira, o sub-relator de movimentação financeira da CPI, deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), receberá os relatórios do TCU sobre irregularidades nos contratos firmados pelos Correios com a SMP&B e outras agências. Embora não descarte outras fontes de abastecimento do valerioduto e outros esquemas montados pelo PT, ele acha que esse é o veio principal.

E pelo visto um veio que atravessa a federação e se reproduz também nos estados e nas capitais. Uma das providências finais da CPI será propor parâmetros e regras de controle mais rígidos sobre a área de publicidade. O deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ) já tem projeto. Começa por limitar os gastos milionários com publicidade oficial na administração direta. Só seriam permitidos para a divulgação de serviços públicos essenciais, como uma campanha de vacinação ou a divulgação de uma medida previdenciária, por exemplo. É mesmo tempo de por cadeado nesta porta, até que arrombem outra.

Depois da convergência

O Conselho de Ética da Câmara condenou Dirceu por quase unanimidade e absolveu Sandro Mabel pela totalidade dos votos. Mas na terça-feira deve rachar na votação da cassação do deputado Romeu Queiroz. Ele recebeu R$300 mil do valerioduto e R$100 mil da Usiminas através da SMP&B. Distribuiu tudo a candidatos do PTB, seu partido, em 2004. Alega que não se apropriou do dinheiro nem pode ser responsabilizado pelo caixa dois de Valério-Delúbio. Há no Conselho quem concorde com o argumento mas, se ele prevalecer, favorecerá muitos outros que estão na fila. Há pefelistas que devem absolvê-lo porque seu caso é parecido com o de Roberto Brant, que recebeu da Usiminas através de Valério mas espera o julgamento com estoicismo, não pedindo clemência a ninguém.

NEM BUSH une a esquerda brasileira. Os atos de protesto contra sua presença em Brasília racharam os manifestantes. De um lado, PT, PCdoB, CUT e UNE. De outro, PSTU, PSOL e entidades aliadas. Hoje, Bush come churrasco, troca amarguras políticas e amabilidades políticas com Lula. Não mais do que isso pode sair desse encontro entre dois presidentes acossados por crises domésticas. Sairia se Lula quisesse ou pudesse conter os ímpetos de Chávez.