Título: No Brasil, de olho na Venezuela
Autor: Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 06/11/2005, O País, p. 3

Bush se encontra hoje com Lula e deve oferecer vantagens em troca de intermediação com Chávez.

Depois da tumultuada Cúpula das Américas realizada em Mar del Plata, na Argentina, os presidentes George W. Bush e Luiz Inácio Lula da Silva se reúnem hoje, em Brasília, em meio a manifestações contra a visita do líder da maior potência mundial e um forte esquema de segurança. Com a imagem abalada na América Latina, Bush vai reforçar a idéia de uma aliança entre o Brasil e os Estados Unidos em defesa da democracia na região. Para Bush, o melhor dos mundos seria se Lula fizesse um meio-de-campo entre ele e o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que se tornou o símbolo do antiamericanismo no continente.

Em troca, Bush tem em mãos vantagens que podem ser oferecidas ao Brasil e estarão na pauta da conversa entre os dois presidentes no churrasco na Granja do Torto. Uma delas, tão sonhada pela diplomacia brasileira, consiste em uma declaração menos evasiva dos EUA a respeito da reformulação do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A expectativa é que o presidente americano afirme que o Brasil é um ator fundamental nesse organismo da ONU.

Até a noite de sexta-feira era dado como certo por fontes do Ministério da Justiça que Bush anunciaria hoje a permanência do Brasil no Sistema Geral de Preferências (SGP), mecanismo que facilita o acesso ao mercado americano de produtos exportados por nações em desenvolvimento. Os EUA vêm ameaçando retaliar o Brasil com a exclusão do SGP, sob o argumento de que aqui pouco tem sido feito para combater a pirataria. Tudo indica que informações sobre as medidas de repressão ao contrabando e falsificação convenceram a Casa Branca.

Outra possível oferta de Bush ao Brasil é uma aliança entre os dois países nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC). Brasileiros e americanos se uniriam contra os subsídios agrícolas que prejudicam as exportações dos países em desenvolvimento. Isso significa um enfrentamento direto com a União Européia e o Japão. A proposta está sendo costurada há alguns meses por diplomatas dos dois países.

Lula, que pela primeira vez teve seu brilho ofuscado num encontro de presidentes ¿ Hugo Chávez foi a estrela da Cúpula das Américas ¿ aproveitará a reunião para tentar recuperar o papel de líder na região. Mas não deverá ceder facilmente aos apelos de Bush, que já transmitiu recados se dizendo preocupado não apenas com a Venezuela, mas com a fraterna relação do Brasil com Cuba, intensificada no governo do PT.

¿ O Brasil considera imprescindível a manutenção da democracia na região, mas não se envolve em problemas internos. É isso o que Lula dirá, embora não se descarte um meio-de-campo, sem promessas ou comprometimentos ¿ diz uma fonte do governo brasileiro.

EUA querem monitorar democracias latinas

Em Washington, uma fonte ligada ao Departamento de Estado assegurou que as relações bilaterais nunca foram tão boas. Essa fonte diz que Lula deveria aproveitar sua liderança na região e tentar reduzir os sucessivos ataques de Chávez aos EUA. Para a Casa Branca, as democracias de países latinos, como Venezuela, Equador, Bolívia e Nicarágua, estão em risco e o melhor seria criar um sistema de monitoramento dos sistemas democráticos, tendo à frente a Organização dos Estados Americanos (OEA). O governo brasileiro não concorda.

¿ A vinda de Bush a Brasília demonstra o peso que o Brasil ocupa hoje na política internacional. O Brasil é uma espécie de fiel da balança e isto poderia ser explorado ¿ afirma o professor de Ciência Política da Universidade de Brasília José Alves Donizete.

Bush deve chegar à Granja do Torto às 11h10m. Ele terá uma reunião reservada de 35 minutos com o presidente Lula. Em seguida, haverá um encontro bilateral ampliado. Será a oportunidade de os ministros de diversas áreas, dos dois lados, trocarem impressões e costurarem acordos. No início da tarde, por volta de 12h45m, será divulgado um documento sobre o encontro.

Com uma comitiva de 700 pessoas, entre pessoal de apoio, seguranças, policiais e autoridades, Bush fará um passeio com sua mulher, Laura, Lula e a primeira-dama, dona Marisa, pela ampla área de lazer da Granja do Torto. O encontro será finalizado com um churrasco para 20 pessoas, oferecido por Lula, às 13h30m.