Título: Governo Lula racha entre belicistas e pacifistas
Autor:
Fonte: O Globo, 06/11/2005, O País, p. 10

O governo Lula, que nunca foi um sinônimo de consenso, está cada vez mais dividido. A crise dos últimos meses explicitou ainda mais a guerra interna e a divisão dos grupos dentro do governo sobre os mais diversos temas, inclusive os rumos da economia. Uns tentam diminuir a crise e defendem uma trégua com a oposição, enquanto outro grupo pressiona por um enfrentamento imediato. Na economia, a polarização é entre os que querem uma flexibilização e os que insistem em manter uma linha ortodoxa.

¿ Todo governo é assim. No PT isso fica mais exacerbado porque o partido tem uma tradição de debate. Esse comportamento não vai mudar ¿ reconhece o ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner.

A divisão mais explícita no momento é entre os chamados belicistas e pacifistas em relação à crise política. Apesar de algumas vezes o presidente Lula manifestar o desejo de partir para guerra, ele tem sido convencido de que o melhor para o governo, neste momento, é tentar diminuir a temperatura no Congresso Nacional.

¿O governo é uma média dessas opiniões¿

O núcleo dos pacifistas é formado pelos ministros Antonio Palocci (Fazenda), Márcio Thomaz Bastos (Justiça) e Jaques Wagner, além do líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP). Com o recrudescimento da crise, esse grupo tem agido para acalmar o presidente e setores do governo e do próprio PT. Entre os que acham que agora é hora de ir para guerra estão o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, e o presidente do PT, Ricardo Berzoini.

¿ Existe essa divisão. Mas o governo é uma média dessas opiniões. Não se pode confundir uma visão pacifista com covardia ¿ diz Wagner.

Os pacifistas já constataram a dificuldade de neutralizar os que defendem o enfrentamento, principalmente depois dos ataques constantes da oposição. O próprio presidente tem demonstrado disposição maior para o embate. Lula avalia que o recrudescimento dos ataques deve-se ao desespero da oposição que, na sua visão, teria percebido a recuperação da popularidade do governo e à possibilidade concreta de uma reeleição.

Sobre as últimas denúncias que alimentaram a crise ¿ a de dinheiro cubano para a campanha do PT em 2002 e a confirmação pela CPI dos Correios de que dinheiro do Banco do Brasil irrigou o valerioduto ¿ o PT foi orientado a enfrentar a oposição para tentar desqualificar a denúncia. Mas com o cuidado de não acirrar ainda mais o clima.

Desde que a temperatura voltou a subir em Brasília, Lula determinou que integrantes do governo abrissem diálogo com tucanos e pefelistas. Nas últimas semanas, Palocci, Wagner, Thomaz Bastos e Mercadante estão mantendo contatos com a oposição para estabelecer um entendimento. Mas esse grupo reconhece que toda vez que o PSDB e o PFL atacam fica mais difícil segurar a tropa petista.

Até mesmo ministros como Ciro Gomes, da Integração Nacional, que costumam ajudar no contato com a oposição, já defendem nos bastidores uma ação mais afirmativa. Dilma Rousseff também quer uma posição mais firme. O chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos, Luiz Gushiken, que estava sumido, voltou a ter influência com a eleição de Berzoini para o comando do PT e passou a defender o enfrentamento com a oposição. Quem ajuda a alimentar a tensão nesse grupo é o ex-chefe da Casa Civil e deputado José Dirceu (PT-SP).

Na economia, é cada vez mais explícita a divisão: enquanto os ministros Palocci e Paulo Bernardo (Planejamento), além do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, tentam manter o rigor do ajuste fiscal com um superávit primário elevado, Lula está sendo pressionado por Dilma, Marinho, Ciro Gomes e a base petista para estimular o crescimento da economia no próximo ano, com maior liberação de recursos para investimentos.

Lula ficou assustado com superávit primário

Lula está sendo alertado que só com um crescimento expressivo em 2006 vai conseguir neutralizar a crise e ter chance de reeleição. O superávit primário recorde serviu de sinal amarelo para o grupo que defende a flexibilização. Na última segunda-feira, informado que o governo cumpriu em nove meses a meta fiscal do ano, o presidente ficou contrariado. Em reunião no Planalto, determinou que o governo execute ao máximo o Orçamento até o fim do ano. Lula considerou excessiva a economia para pagar juros este ano, que já superou a de 2004 em R$16,7 bilhões. Ficou assustado com o superávit primário de R$86,5 bilhões, 6,1% do PIB. A meta para todo o ano de 2005 era de R$82,7 bilhões, que corresponde a 4,25% do PIB.

¿ Na disputa entre manter a ortodoxia e uma flexibilização da economia, o árbitro do jogo é o presidente Lula. Não vejo problema em ter mais de uma opinião no governo. Mas a decisão é do presidente. No momento em que ele decide, cumpra-se a ordem ¿ observa Jaques Wagner.