Título: Os riscos do petróleo
Autor: Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 06/11/2005, Economia, p. 33

Peso de `royalties¿ dobra na arrecadação estadual e especialistas temem dependência

Com uma economia que cresce ao ritmo da produção e refino de petróleo, o Rio tem contado cada vez mais com essa commodity também nas suas finanças estaduais. Dados do Sistema de Informações Gerenciais (SIG) do governo do Estado mostram que, em 2000, a indenização pela extração de petróleo (que inclui royalties e participações especiais) respondia por 5,2% da arrecadação estadual. Este ano, até o dia 1º de novembro, essa parcela mais do que dobrou e alcançou 12,5%. Enquanto isso, a arrecadação de ICMS, que era de 50,7% do total em 2000 e chegou a 53,5% em 2002, este ano ficou em só 49%

Especialistas em petróleo e estudiosos de finanças públicas alertam para os riscos de o estado amparar seu orçamento numa receita que, um dia, vai acabar. O petróleo é um recurso não-renovável e as expectativas são de que haverá prospecção, no Estado do Rio, por pelo menos 20 anos. Mas, depois, o futuro dessa atividade econômica é incerto.

Este ano, o Rio já recebeu R$2,98 bilhões em royalties e participações especiais. É uma quantia superior à arrecadação de ICMS de setores como de telecomunicações (R$1,94 bilhão) e energia (R$1,80 bilhão).

¿ O risco é o estado acomodar seus gastos correntes a uma receita que é exaurível. Se não dermos aos royalties um uso de investimentos, ficaremos mal servidos ¿ afirma Sérgio Quintella, que foi conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio e hoje é vice-presidente da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Os números da execução orçamentária do estado mostram que, desde 2003, mais de 80% dos recursos dos royalties são usados para pagar dívidas e encargos com a União, dentro do acordo de saneamento das finanças estaduais feito com o governo federal em 1999.

O secretário estadual de Energia, Wagner Victer, argumenta que o uso dos royalties para quitar dívida com a União proporciona uma folga de caixa que permite ao governo promover o desenvolvimento econômico:

¿ Não existe dinheiro carimbado, as contas do governo são como vasos comunicantes. O estado tem investido em infra-estrutura e criado incentivos para atrair empresas.

Victer lista como exemplos das ações do governo a insistência para que a Petrobras instalasse uma refinaria no Rio (prevista para entrar em operação em 2010), os projetos para construir uma estrada de acesso ao novo Pólo Gás-Químico, uma ponte que liga São Pedro da Aldeia e Cabo Frio e as isenções fiscais para a instalação de cinco termelétricas no estado. E argumenta que é natural que, num estado produtor de petróleo, a arrecadação com royalties ganhe espaço cada vez maior uma vez que o ICMS sobre esse produto só incide no consumo.

Preocupação com a dependência de fatores aleatórios

O deputado estadual Alessandro Molon (PT) lembra que, além de se destinar ao pagamento de dívida com a União, os royalties serão usados, a partir de 2006, para capitalizar o Rio Previdência, conforme prevê decreto da governadora Rosinha Garotinho. Molon afirma que o ideal seria destinar essa receita à diversificação econômica do estado. Mas, como os royalties já estão vinculados, ele vai apresentar emendas ao Orçamento de 2006 para dedicar outros recursos à pesquisa científica e ao fomento da economia fluminense.

¿ O Rio precisa se preparar para o futuro. Os royalties dependem de fatores externos. O problema surgirá antes mesmo de o petróleo se esgotar, quando sua extração começar a cair. E aí o estado terá que contar com outras receitas ¿ afirma Molon.

Nos últimos anos, a renda com exploração de petróleo cresceu graças à disparada dos preços no mercado internacional e a um acréscimo na produção da Petrobras, que servem de parâmetros para os royalties. O preço de referência usado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), que era de US$28,39 o barril em 2000, subiu para US$50,67 este ano. O volume de produção nacional, de 1,23 milhão de barris por dia há cinco anos, subiu para 1,58 milhão. Se não fosse a queda do dólar este ano, os royalties recebidos pelo Rio, que detém 80% da produção nacional, seriam ainda maiores.

Rafael Schechtman, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), destaca que, além de sofrer oscilações de preço, a renda do petróleo é vulnerável a decisões estratégicas de investimento. Ele afirma que o cenário é de extração de petróleo no Rio por pelo menos duas décadas.

¿ Mas na última licitação da ANP houve muito interesse por gás, que não é o forte do Rio. E se amanhã ou depois se descobre um poço de petróleo leve na Bacia de Santos, por exemplo, os investimentos serão atraídos para lá ¿ explica.

A Petrobras afirma que vai explorar o petróleo do Rio por muito tempo ainda. A estatal adquiriu, na última licitação da ANP, dois blocos em águas profundas na Bacia de Campos e planeja investir no estado, entre 2006 e 2010, US$18,6 bilhões só em produção e exploração.

Mas os royalties, nos próximos anos, têm data certa para diminuírem. Nelson Rocha, presidente do Conselho Regional de Contabilidade (CRC) e ex-secretário estadual de Fazenda, lembra que na renegociação da dívida do estado com a União foi acertada uma antecipação, entre 1999 e 2014, dos recursos que o Rio tinha direito durante 20 anos. Ou seja, entre 2014 e 2019, o estado vai receber apenas o chamado excedente: os valores que superarem os parâmetros definidos no acordo com a União, de petróleo a US$17 e produção de 900 mil barris por dia. E o governo quer lançar títulos no mercado financeiro para captar R$600 milhões, dando como garantia o excedente na arrecadação do royalties de 2006.

¿ A preocupação é saber como é que fica a arrecadação em 2006 ¿ diz o deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB).

ICMS: RIO CRESCE MENOS QUE O RESTO DO PAÍS, na página 34