Título: `AQUI PARECE O IRAQUE¿
Autor: Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 06/11/2005, O Mundo, p. 38

PARIS. Quando Mohamed Hamman e a mulher Rabha desembarcaram na França, há 26 anos, imaginavam uma vida melhor do que a miséria do Marrocos. E foi. Até o momento em que empregos começaram a ficar escassos, e Hamman começou a envelhecer e a ficar cansado.

Hoje, aos 53 anos, com sete filhos ¿ todos franceses ¿ ele está confinado em casa há dois anos. Desempregado. Diz que sabe fazer de tudo em construção mas não consegue arrumar nem biscate. Vive com ajuda do governo: 1.620 euros que na realidade são mil euros, descontado o aluguel. Por um apartamento no pior endereço de Clichy-sous-Bois ¿ um conjunto habitacional taxado de ¿problemático¿ por causa da criminalidade ¿ ele paga 547 euros. Mas solta um inshallah (vontade de alá), quando lembra que já esteve em situação pior. Durante dois anos, viveu com filhos e mulher num apartamento de 23 metros quadrados. Ou seja: um quarto. Para os padrões de miséria brasileira ele não está tão mal: tem computador, câmera digital e comida na geladeira, graças ao governo e ao trabalho da mulher, que faz faxina.

Mas Hamman tem um problema. Seus filhos são franceses, e querem os padrões do primeiro mundo.

¿ Eles estão num país rico e querem viver como os franceses. Meus filhos me pedem para comprar tênis de marca, que custam 120 euros ¿ conta.

Há dias a família não dorme direito, tamanha a praça de guerra em Clichy-sous-Bois:

¿ Aqui está parecendo o Iraque. Não fizeram nada pelos jovens. Eles agora perambulam e não têm trabalho. Meus filhos estão desgostosos. Dizem que não querem mais ficar aqui. Mas não temos como sair ¿ conta. (Deborah Berlinck)