Título: `A França optou por fechar os olhos¿
Autor: Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 06/11/2005, O Mundo, p. 38

PARIS. Karim Ammelal é um imigrante que conseguiu sobreviver à vida na periferia de Paris. Hoje, aos 27 anos, professor de filosofia e literatura, publicou um livro (¿Me discrimine¿) em que descreve a hipocrisia de uma França que se diz igualitária e conta o que viu de errado nos subúrbios pobres.

Por que esta revolta?

AMELLAL: Há 20 anos vemos incidentes como estes. A periferia está se movendo. Começou em 1983 com a ¿Marche des Beurs¿ (gigantesca passeata de Marselha a Paris pela igualdade de direitos e contra o racismo).

Quer dizer, então, que em 20 anos nada mudou?

AMELLAL: Nada. Às vezes os incidentes começam com uma morte, ou uma declaração do ministro do Interior. A periferia aproveita para se manifestar. Às vezes, pacificamente, às vezes, violentamente.

Os eventos atuais parecem particularmente violentos. Quais são os riscos?

AMELLAL: A discriminação e a potência dos mecanismos de segregação social fazem com que nos encontremos numa situação cada vez mais violenta. O risco é a revolta, como ocorreu em Los Angeles.

Você é um exemplo de sucesso de imigração. Por que não acontece com outros?

AMELLAL: Não gostaria de ser exceção. Mas sou um caso particular. Meu pai era um diplomata argelino, e fui parar na periferia por causa de uma situação muito particular (deterioração política na Argélia). Eu tinha um capital cultural que me permitiu avançar. Eu não tive o que chamo de ¿tentação da rua¿. Não senti nas minhas costas, como sente a maioria, a potência da segregação.

Conte o dia de um imigrante.

AMELLAL: Há duas Franças que moram no mesmo país, mas sem nada em comum. E o oceano entre elas aumenta. Sempre houve uma minoria de provocadores, percebemos que cada vez mais os jovens seguem o modelo bad boy. Assistimos a um efeito de contágio. É normal que uma destas Franças reaja. Quando um jovem imigrante chega aos 15 anos e vê que não tem saída, que não conseguirá trabalho, se refugia no Islã, na religião, ou parte para um recurso violento. Diz: que vocês todos se danem!

No seu livro, você descreve práticas discriminatórias nas empresas francesas.

AMELLAL:Houve vários escândalos, especialmente em empregos temporários. Como as agências sabem que o empregador não gosta de imigrantes, instituíram um código: ¿001, mas não 001¿. 001 é um código da nacionalidade francesa. ¿001, mas não 001¿ significava que a pessoa tinha nacionalidade francesa, mas não era ¿francês verdadeiro¿. Houve processos e os sistemas foram condenados. Mas há discriminação mais insidiosa. Mesmo quando se faz uma boa escola e se passa nos concursos, sobe-se até um ponto e depois fica-se bloqueado. Acho que é preciso aplicar a ação afirmativa. Precisamos ao menos aceitar discutir este mecanismo. Mas a França optou por fechar os olhos, dizendo que todos são iguais e que os cidadãos têm direitos iguais. Não é caso.