Título: COMPANHEIRO BUSH
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 07/11/2005, O País, p. 4

As visitas do comandante do Império e da Rainha dos Baixinhos deram a Brasília dois dias de trégua na crise. Para Lula, um alívio. Na avaliação do governo, Bush saiu melhor do que a encomenda. Não houve saia-justa em relação a Chávez e a conversa sobre ONU avançou. A Alca é uma pedrinha no sapato, mas Brasil e EUA se juntam para cobrar da União Européia a redução dos subsídios.

Satisfeito da vida, o chanceler Celso Amorim embarcou ontem à noite rumo a Londres e Genebra, para reuniões ministeriais das negociações da Rodada de Doha da OMC, levando na bagagem a convergência em torno da redução dos subsídios agrícolas. Bush disse que os Estados Unidos abrem mão dos seus se a UE fizer o mesmo, adotando o argumento de que só assim o comércio exterior será fator de diminuição da pobreza no mundo. Ponto para o Brasil, que sempre defendeu isso.

A aliança na OMC, ainda que restrita, vinha sendo costurada por Amorim e pelo secretário de Comércio dos EUA, Rob Portman. A curto prazo, e na visão pragmática das relações comerciais, terá sido o ganho mais imediato da visita. Mas a diplomacia brasileira aponta mais pontos positivos. Por exemplo:

OS EUA INSISTEM NA ALCA, MAS SEM PRESSA ¿ Bush não deixou de citar a criação da Alca em suas manifestações públicas, mas nas conversas privadas deixou claro que não está levando o assunto a ferro e fogo. A prioridade na questão do comércio exterior, no momento, é concluir a Rodada Doha com avanços.

¿ Objetivamente, eles estão mais claramente determinados a levar adiante a negociação da Alca do que nós. Mas o presidente Bush mostrou que entende perfeitamente a nossa posição de esperar pela conclusão de entendimentos como o da OMC ¿ dizia ontem Celso Amorim, que participou da conversa privada dos dois presidentes.

BUSH FOI RECEPTIVO À REFORMA DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU ¿ Na conversa com Lula, o presidente norte-americano fez questão de dizer que não tem preconceitos contra as reformas nas Nações Unidas e nem contra a presença do Brasil como membro permanente do Conselho. Não formalizou apoio, diferentemente do que fez com o Japão, mas deixou claro que seu país não ficará contra a candidatura brasileira. Bush está interessado numa reforma administrativa da entidade e disse que as conversas vão avançar.

LULA NÃO VAI LEVAR RECADOS DE BUSH A CHÁVEZ, MAS VAI AJUDAR ¿ A conversa sobre Venezuela foi longa e cuidadosa. Nem Bush pediu diretamente que Lula seja intermediário entre Estados Unidos e Hugo Chávez e nem Lula disse claramente que vai interferir. Mas o presidente dos EUA disse entender as relações de Lula com Chávez e apreciar o papel que o Brasil tem desempenhado. O brasileiro deixou claro que ajudará no diálogo, mas que é preciso que cada um entenda seu papel. Lula lembrou que Chávez foi eleito, confirmado por um plebiscito e que tem apoio popular ¿ deixando claro que tentativas externas de fortalecer a oposição venezuelana que quer derrubar Chávez também não ajudam em nada a melhorar o diálogo.

O BRASIL NÃO VAI SER EXCLUÍDO DO SISTEMA GERAL DE PREFERÊNCIAS AMERICANO ¿ Bush e cia foram informados dos esforços do governo para combater a pirataria e deixaram claro que não pretendem excluir o país do SGT, ameaça que pairava por conta dos problemas brasileiros com a pirataria de produtos.

MISSÃO NO HAITI RENDE FRUTOS ¿ Bush elogiou a atuação brasileira à frente das Forças de Paz no Haiti. Lula aproveitou para lembrar o papel fundamental da ONU, já que, sem a entidade, os brasileiros não poderiam estar lá. E ressaltou a necessidade de aumentar a ajuda financeira da comunidade internacional.

A QUÍMICA LULA-BUSH FUNCIONOU DE NOVO ¿ Não se sabe bem como, nem por que, mas, por trás de seus intérpretes, os dois se entendem muito bem. O encontro de meia hora acabou se esticando por uma hora e meia, e foi qualificado por quem assistiu como uma conversa de aliados, um diálogo político bem além do protocolar. Falaram ainda de Oriente Médio, Irã, preocupação com a proliferação de armas nucleares, etc (mas o Iraque não entrou na conversa). Os brasileiros adoraram a referência ao ¿Zero Hunger¿. E a conversa terminou entre amenidades. Condoleezza Rice quer ir à Bahia na próxima vinda ao Brasil. Em troca, vai levar Celso Amorim ao sul dos EUA.

THE END ¿ Fim de trégua. Bush seguiu para o Panamá. Xuxa, depois do show para os baixinhos da capital, também se foi. A crise volta à cena.