Título: ÁGUA NA SOPA
Autor: Dimmi Amora
Fonte: O Globo, 07/11/2005, Rio, p. 10

Por falta de licitação, entidades deixam de ser atendidas por programa do estado

Oprograma Sopa da Cidadania, depois de engordar com dinheiro público mas emagrecer na quantidade e no conteúdo nutricional, sofre de raquitismo. Uma das meninas dos olhos das ações sociais do governo do estado, o projeto está parado desde maio porque o contrato com a empresa que produzia e distribuía as latas de sopa terminou. Como não houve licitação até hoje, cinco meses depois, para escolher nova empresa, as 11.880 latas distribuídas mensalmente para 338 entidades de assistência não estão mais sendo entregues. Pelas contas do governo, 30 mil pessoas eram beneficiadas pelo programa, que não teve substituto.

Alardeado como grande projeto social pela governadora Rosinha Garotinho, e seu antecessor, Anthony Garotinho (que o destaca em seu site pessoal como uma das receitas para combater a fome), o projeto pode ser considerado raquítico. Um documento obtido pelo GLOBO mostra que a sopa tinha, em dezembro de 2004, apenas 60 calorias por refeição, menos que um copo de refrigerante. Uma análise feita em março deste ano a pedido da empresa responsável, a Hambre, mostrou que a sopa chegou a 215 calorias por refeição. Segundo a empresa, esse é o valor exigido pelo edital de licitação da qual foi vencedora. Apesar de estar no edital, esse valor nutricional é bem mais magro do que o governo informa até hoje em sua página da internet sobre o programa: 400 calorias por refeição, que seria uma complementação alimentar.

Segundo a professora Claudete Chiappini, da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal Fluminense (UFF), o Sopa da Cidadania foi concebido para ser uma complementação nutricional. Analisando os valores nutritivos informados no laudo, ela disse que, para uma criança entre 7 e 14 anos, cuja recomendação de energia é de 2.000 a 2.500 calorias diárias, uma porção de sopa vai fornecer entre 8% e 10% deste total:

¿ Os teores de cálcio e ferro, importantes nessa fase de crescimento, estarão baixos numa porção de 200ml. Portanto, a sopa não pode ser considerada uma refeição completa. Ela pode fazer parte de refeições com outros alimentos que complementem as recomendações diárias para cada grupo atendido.

Número de latas foi reduzido quase à metade

Trocando em miúdos: alimentando-se só com a sopa, uma criança teria que tomar dois litros diários desse prato ou dez porções.

¿ Acho perigoso isso. A sopa não substitui a refeição ¿ alertou a professora.

O regime também veio na quantidade. Quando o então governador Anthony Garotinho lançou o projeto, em 2001, tomando a sopa com a sua então secretária de Ação Social, a atual governadora Rosinha, ele informou que eram produzidas 22 mil latas de sopa por mês. No último contrato de 2004, o número de latas foi reduzido quase à metade. Os problemas com a Sopa da Cidadania fizeram com que as entidades que recebiam o alimento tivessem que trocá-lo por outras doações. No período em que a produção parou, o governo não substituiu a sopa por nenhum outro programa de assistência, segundo as sete instituições ouvidas pelo jornal.

Se a sopa é magra, o dinheiro é gordo. De acordo com documentos obtidos pela deputada Cidinha Campos (PDT), o contrato com a empresa Hambre Alimentos foi de R$2,76 milhões por um ano (R$230 mil por mês). A divisão desse valor por 11.880 latas chega ao custo de R$19,36 por unidade. Segundo o estado, cada lata dissolvida conteria 25 refeições de 200 mililitros. Em novembro do ano passado, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) encontrou muita gordura nos preços das compras feitas em outubro de 2003. No caso dos alimentos, o custo do material comprado pela tabela da Fundação Getúlio Vargas (FGV) teria sido de R$26.300. Mas a empresa contratada à época gastou R$39.900 (mais 51%). Já no material de limpeza, o custo deveria ter sido de R$7.400 pela tabela da FGV, mas a empresa usou R$20.500 (mais 173%).

A Hambre, que assumiu em maio de 2004, fora do período analisado pelo TCE, informou que cumpriu os preços do contrato. Segundo a empresa, foram enviados ofícios um mês antes do fim do contrato para que ele fosse renovado e a produção não fosse interrompida. A empresa informou ainda que só recebeu 70% do valor do contrato, apesar de ter produzido e distribuído tudo o que estava previsto.