Título: OS DESAFIOS COMUNS À FAVELA E AO ASFALTO
Autor: Luiz Ernesto Magalhães
Fonte: O Globo, 07/11/2005, Rio, p. 16

Especialistas discutem na série Encontros no Globo crescimento de ocupações irregulares e crise habitacional

Apesar de terem opiniões diferentes sobre o fenômeno, especialistas que debateram na noite de sexta-feira o crescimento das favelas na série Encontros no GLOBO concordaram ao apontar como causa da atual crise de moradia as falhas das políticas habitacionais adotadas no Brasil nos últimos anos.

Um dos criadores do Programa Favela-Bairro, Sérgio Magalhães, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, apresentou estatísticas, mostrando que, nas décadas passadas, os investimentos de recursos públicos em habitação não atenderam às demandas da população.

¿ Nos últimos 60 anos, foram construídos 35 milhões de domicílios nas cidades. No período, os recursos de financiamentos públicos responderam por apenas 20% dos investimentos ¿ disse Magalhães, usando números para ilustrar a omissão do poder público.

A falta de investimentos públicos, segundo ele, se agravou na última década, caindo para 10%.

ONG defende investimentos em infra-estrutura

O debate ¿Desordem urbana: desafios da favelização¿, realizado no auditório do jornal, foi mediado pelo editor de Rio do GLOBO, o jornalista Paulo Motta, e contou ainda com a participação de Jorge Luís Barbosa, diretor-presidente da ONG Observatório das Favelas, e Roberto Kauffman, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon). Apesar do convite, a prefeitura não enviou para o evento representantes das secretarias de Urbanismo e Habitação.

Roberto Kauffmann lamentou o fato de o Congresso ter levado 13 anos para votar a Lei 11.124, que cria o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social e o Fundo Nacional para Subsídio Explícito. A lei, em fase de regulamentação, permitirá a utilização de terrenos públicos ociosos na construção de moradias populares, em áreas com infra-estrutura urbana:

¿ Hoje dispomos de recursos do FGTS para conceder subsídios para quem ganha de um a cinco salários-mínimos. O problema é que esses recursos são gastos no mercado informal da construção civil.

Um dos principais mecanismos para conter a expansão das favelas, na opinião de Jorge Luís, é a concessão de títulos de propriedade para os moradores. Também são necessários investimentos públicos em infra-estrutura para reduzir as diferenças entre as comunidades carentes e o asfalto.

¿ Temos hoje um déficit habitacional que atinge mais de um milhão de pessoas. Deste total, 80% são famílias que ganham de um a três salários-mínimos. O estado jamais universalizou os direitos de seus moradores ¿ criticou Jorge, afirmando que o poder público trata de forma discriminatória quem vive em áreas carentes.

Os especialistas também condenaram tentativas de remoções forçadas mesmo que para áreas de melhor infra-estrutura. Sérgio Magalhães, por exemplo, entende que a estratégia, muito usada na década de 60, se revelou um fracasso. Ele, no entanto, defende que as regras urbanísticas sejam seguidas à risca para evitar o crescimento desordenado:

¿ É preciso que se aplique a Lei do Inquilinato. A pessoa não pode se valer do fato de ter uma arma maior para expulsar alguém que atrasou o aluguel ¿ acrescentou.

Jorge Luís é radicalmente contra remoções. Segundo ele, as favelas seguem um padrão de crescimento parecido com o do asfalto, mas são marcadas pelo preconceito. Ele lembrou que a especulação imobiliária no asfalto também avança sobre encostas e margens de rios. Kauffmann, embora seja contrário a remoções forçadas, acredita que os próprios moradores terão interesse em deixar áreas invadidas se houver opções de moradia de qualidade.

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