Título: ÓDIO CONTRA DESIGUALDADE
Autor:
Fonte: O Globo, 07/11/2005, O Mundo, p. 21
Não se pode negar a gravidade dos acontecimentos da última semana. E pode-se mesmo perguntar se algo maior já estaria em andamento. Ora, falar em ¿guerra civil¿ na França ou ¿numa ameaça terrorista¿, considerando islamismo radical e violência urbana o mesmo perigo, assim como certa mídia estrangeira quis fazer, é algo extremo. Trata-se de jogar com a retórica de medo da extrema-direita racista, assim como a de muçulmanos radicais que buscam recrutar jovens para a jihad que sonham realizar na Europa.
As declarações inflamadas de Nicolas Sarkozy puseram fogo na crise. No entanto, ao contrário do que se diz, não há o menor sinal de que esses jovens sejam motivados por uma agenda política ou ideológica. É claro que muitos são muçulmanos, provenientes do Norte da África ou de ascendência africana. Muitos foram dominados pelo pior da propaganda contra os judeus e, alguns, nem que seja para provocar, dizem admirar Bin Laden.
Mais significativo, porém, é que todos estão desiludidos e convencidos de estarem recebendo um tratamento injusto na sociedade francesa. Não confiam nas promessas sobre o fim da vida em guetos, e acreditam, não inteiramente sem razão, que foram deliberadamente excluídos da sociedade. Mas isso não os torna cúmplices dos homens-bomba de Londres. O que fazem noite após noite refere-se mais a um ódio cego das percebidas ou muito reais injustiças ou desigualdades, e trata-se de um desejo de responder às duras palavras de um ministro que os acusou de serem ¿gangues¿ e ¿escória¿.
Haveria risco do que ainda é somente violência de rua tornar-se uma rebelião mais séria? Talvez. Mas os envolvidos ainda são uma minoria de jovens suburbanos, e muitos moradores desses guetos não aprovam suas destruições. O caminho mais curto para tornar as piores previsões realidade seria o pânico, ao tratá-los como terroristas islâmicos, acarretando antagonismos étnicos e religiosos pelos quais começa a ¿guerra civil¿.
PATRICK SABATIER é editor assistente do ¿Libération¿