Título: Máfia do alho
Autor: XICO GRAZIANO
Fonte: O Globo, 08/11/2005, Opinião, p. 7

Ocorre uma verdadeira guerra comercial no mundo. Na briga por mercados, a agricultura brasileira se impõe com competência. Vez ou outra, porém, leva chumbo nas costas. Veja o caso do alho.

Tempero tradicional da comida mineira, o alho viu seu consumo se generalizar no país. Em 1990, o abastecimento ainda contava com a ajuda de importações, especialmente do produto espanhol, que respondia por 20% do consumo interno. A partir daí, a China entrou na jogada, e começou a encrenca.

Acontece que o negócio da China tem mão dupla. Afinal, eles sabem vender também. Em 1991, alguns atacadistas nacionais iniciaram a importação do alho chinês. Nessa época, contavam-se 14 mil hectares plantados com a liliácea, principalmente em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Mais tarde, a cultura se expandiu para o cerrado do Centro-Oeste e a produção, em 2002, alcançou 100 mil toneladas.

Hoje a área plantada caiu para 8 mil hectares e a produção se reduziu em 50%. A entrada maciça do alho estrangeiro teve um efeito devastador sobre o emprego, ceifando 24 mil postos diretos na produção rural e outros 16 mil nos packing-houses, local da seleção e embalagem do produto.

Os chineses são gigantes no negócio condimentar. Respondem por 72% do alho produzido no mundo, seguidos pela Índia, com 12%. O Brasil atinge 1%. Resultado: as exportações chinesas são extremamente agressivas.

Até aqui a história parece comum no contexto da economia globalizada. As importações do bulbo, entretanto, escondem um mistério, melhor dizendo, um logro. Acontece que o governo brasileiro, desde 1996, impôs uma taxa antidumping sobre o alho chinês, exatamente para proteger o produtor nacional contra o preço artificial das importações. O efeito da medida foi positivo durante alguns anos.

Mas, a partir de 2001, o alho chinês voltou a inundar o mercado nacional. Qual a explicação? Liminares judiciais abriram a porteira para as importações, eximindo empresas do pagamento da taxa antidumping. Ficou estranho.

Como todo assunto jurídico, argumentos complexos se invocam. Entre os produtores, todavia, corre uma certeza: existe um ¿esquema¿ de liminares, financiado por um ¿caixa 2¿ recolhido à base de 1,5 a 2 dólares cada caixa importada de alho. É comprometedor.

Vejam a grandeza do negócio. Uma empresa importadora, querendo internalizar 500 mil caixas, dispõe-se a pagar entre 750 mil a um milhão de dólares para obter a liminar, papel que o isenta do recolhimento da taxa antidumping. O pedágio é caro. Mas como a taxa atual soma 4,8 dólares por caixa, livrar-se dela significa grande economia.

O governo está ciente do problema e, mais recentemente, pressionado por parlamentares, tenta desmontar o esquema. Os malandros são conhecidos e formam uma máfia que suborna autoridades e determina regras de conduta no mercado atacadista. Nos Tribunais superiores, ações saneadoras buscam eliminar a picaretagem. Mas a lerdeza da Justiça é conhecida.

Quem poderia ajudar nesse qüiproquó é a dona-de-casa. Basta ela valorizar o produto nacional, adquirindo-o em lugar do importado. Fazendo isso, realizando uma escolha consciente de consumo, ela protege o emprego por aqui, não no Oriente.

O problema é que, na gôndola do supermercado, nem sempre se distingue o alho verde-amarelo do concorrente ameaçador. Por isso, será preciso melhorar a informação para o consumidor, esclarecendo as diferenças. Por ora, ressalte-se o básico: o alho chinês tem dentes grandes, brancos, bonitos, e pouco sabor. Já o alho nacional é menor, de pele arroxeada, com forte odor. Quem comprar com os olhos, vai entrar no chinês; quem utilizar o paladar, crava no nacional. A boniteza esconde o embuste.

Tem gente que não gosta de alho, devido ao bafo que atrapalha o romance. Mas não se deve, como diz o ditado, misturar alhos com bugalhos. Defender o condimento pátrio significa apoiar o emprego no campo. Aqui reside o grande drama. Cada hectare plantado com alho ocupa 20 pessoas.

É insensato desperdiçar essa vantagem.

XICO GRAZIANO é agrônomo e deputado federal (PSDB-SP). E-mail: xicograziano@terra.com.br.