Título: A NECESSIDADE DA ONU
Autor: CARLOS LOPES
Fonte: O Globo, 08/11/2005, Opiniao, p. 7

Há 60 anos foi criada a Organização das Nações Unidas. Desde 1945, o mundo sofreu importantes mudanças que criaram novos desafios na defesa da paz, da segurança e do desenvolvimento.

O mundo de hoje não é o mesmo. Neste momento de transformações, em que as ameaças que afetam um país afetam os demais, as Nações Unidas têm um papel fundamental na construção de respostas conjuntas a problemas comuns. Nos últimos tempos, a ONU tem sido alvo de múltiplos questionamentos. O 60º aniversário é um momento propício para refletir sobre o papel que as Nações Unidas representaram ao longo da sua história. É tempo de nos perguntar se o mundo seria diferente sem a ONU.

Desde sua criação, depois da Segunda Guerra Mundial, as Nações Unidas têm estado presentes nos mais importantes acontecimentos do mundo. Têm evitado guerras catastróficas, mediando as partes e propiciando o diálogo. Têm apoiado processos democráticos e fomentado a autonomia e os direitos dos cidadãos. As agências da ONU têm promovido o desenvolvimento integral das pessoas em diversos âmbitos, como a saúde, a educação, a segurança e o meio ambiente, entre outros.

Os esforços das Nações Unidas têm-se concentrado no fomento da melhora dos padrões de vida e das capacidades humanas. Desde o ano 2000, tal esforço está sendo realizado no marco dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Anualmente, o Sistema ONU ¿ excluindo as instituições financeiras ¿ dedica mais de U$10 bilhões na promoção do desenvolvimento.

Ao longo desses 60 anos, a ONU desempenhou um papel fundamental na construção da independência de 80 países que hoje são nações soberanas.

Na área legislativa internacional, a atuação das Nações Unidas tem contribuído para a elaboração de mais de 500 tratados multilaterais sobre direitos humanos, terrorismo, crime internacional, refugiados, desarmamento, meio ambiente etc.

O início do século XXI marcou uma nova etapa para a comunidade internacional. O mundo atual não é mais o mundo de 60 anos atrás ¿ uma realidade que não deve ser alheia à ONU. Tal como disse o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, ¿as Nações Unidas devem refletir essa nova era e responder a seus desafios¿.

Em setembro passado celebrou-se a Cúpula Mundial 2005, que conseguiu realizar a maior reforma na história da ONU. Mais de 150 chefes de Estado e governo assinaram um documento final que é reflexo de uma significativa unidade mundial sobre um importante número de questões. O que se conseguiu pode ser considerado histórico.

O documento final contém compromissos claros, tanto dos países em desenvolvimento como dos países desenvolvidos, acerca da agenda que tem que ser seguida para o cumprimento, em 2015, dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), acordados há cinco anos na Cúpula do Milênio.

No encontro, decidiu-se ainda pela criação de novos organismos no seio das Nações Unidas para a promoção e defesa dos direitos humanos, assim como para a construção e promoção da paz.

Pela primeira vez na história das Nações Unidas, condenou-se unanimemente o terrorismo ¿em todas suas formas e manifestações, independentemente de quem seja o sujeito, de onde ou com que propósito¿.

Uma das questões mais valiosas conseguidas na Cúpula foi a aceitação por parte de todos os membros da ONU da ¿responsabilidade coletiva¿ de proteger, com aprovação do Conselho de Segurança, as populações civis do genocídio e dos crimes de guerra quando as autoridades locais não forem capazes de fazê-lo. Acordaram-se, também, importantes reformas para o Secretariado da ONU.

Apesar de tais avanços, a principal falha do processo foi os Estados não terem abordado a questão da proliferação de armas nucleares, a ameaça mais alarmante do nosso tempo e contra a qual a ONU vem trabalhando de forma incansável.

Prova da eficiência do trabalho da ONU nesta área foi a entrega do Prêmio Nobel da Paz para a Agência Internacional de Energia Atômica e seu diretor-geral, Mohamed El Baradei ¿ o melhor presente que as Nações Unidas poderiam ter em seu 60º aniversário. O prêmio é uma oportuna lembrança à necessidade premente da adoção de compromissos internacionais na questão do desarmamento e da não-proliferação desse tipo de armas.

Com 60 anos de vida, as Nações Unidas passam por um momento de reforma sem precedentes. Uma ONU renovada deve trabalhar com muitos parceiros para fazer progredir os nobres ideais de seus fundadores.

CARLOS LOPES é representante da ONU no Brasil.