Título: A fala e as falhas
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 09/11/2005, O GLOBO, p. 2

O mérito maior da entrevista do presidente Lula ao programa ¿Roda Viva¿ é a entrevista em si, o fato de ele ter se disposto a responder a todas e quaisquer perguntas sobre a crise e seu governo. Do que disse, o mais importante foi que tem sim responsabilidades diante da crise. Lula se saiu bem ainda ao demonstrar conhecimento sobre diversas questões administrativas, mas cometeu tropeços importantes ao responder sobre os fatos que geraram a crise. Mais grave, o de negar o mensalão, na forma descrita por Roberto Jefferson, sem reconhecer que partidos aliados receberam recursos do valerioduto.

Tomando-se o valerioduto como um caixa dois terceirizado, para usar sua expressão, houve pelo menos seu compartilhamento com os partidos aliados. Mas Lula pareceu ignorar as grandes cifras que saíram das contas de Valério para o PP e o PL, principalmente. Foi sobre esta omissão que a oposição deitou e rolou ao criticar a entrevista, chegando o líder pefelista Rodrigo Maia a chamar o presidente de Pinóquio da Silva. Houve também a contradição, apontada pela manchete de ontem do GLOBO, entre o que disse em tom indulgente em Paris ¿ que o PT fez ¿o que se faz sistematicamente no Brasil¿ ¿ e a condenação do caixa dois como prática inaceitável. Ricardo Berzoini, presidente do PT, sai em sua defesa:

¿ Quando negou a existência do mensalão, o presidente referiu-se à acusação original de Roberto Jefferson, de que o PT comprava deputados para votar a favor do governo. Isso não ocorreu, embora tenha havido repasses de recursos irregulares para os aliados, a título de ajuda de campanha. Em relação ao caixa dois, faltou mesmo repetir que tal prática, embora condenável, por uma série de distorções do nosso sistema político-eleitoral é corrente no país. Precisa ser combatida, com fiscalização e com reformas.

Se desse mais entrevistas, Lula já poderia ter respondido, e bem, como fez, a críticas que muito o desgastaram, como as que trataram da compra do avião presidencial. Em seu momento de maior indignação, reclamou de falarem no ¿avião do Lula¿ como se ele fosse levá-lo consigo ao deixar a Presidência. O sucatão era realmente um avião de risco e outros presidentes não tiveram disposição para enfrentar as críticas que viriam com a compra de um novo avião. Sobre entrevistas, Lula mostrou que não entende a importância delas, ao lembrar que fala todos os dias, a ponto de se cansar da própria voz. Discursar é diferente de responder a perguntas da imprensa.

Ao defender a associação da Gamecorp, empresa de seu filho, com a Telemar, que apontou como uma empresa privada, minimizando o fato de ser uma concessionária de serviço público, cutucou Fernando Henrique ao dizer que todos se lembram de como foi a privatização das teles. Ontem levou uma bordoada do antecessor.

Há outros pontos discutíveis, como a afirmação de que o governo não tentou evitar as CPIs. Tentou, assim como o governo passado evitou todas, embora os líderes tucanos ontem também falassem no grande número das que funcionaram. Algumas foram mesmo instaladas, mas todas desimportantes e não relacionadas como denúncias de irregularidades no governo. Mas a entrevista foi mais importante que seus pontos fracos. E, se incomodou tanto a oposição, é porque de alguma forma ela favoreceu Lula.