Título: Lula a ministros: 'Baixem a bola'
Autor: Cristiane Jungblut
Fonte: O Globo, 11/11/2005, O País, p. 3

Presidente manda Palocci e Dilma pararem com brigas públicas sobre política econômica

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou ontem o fim da guerra pública entre os ministros Dilma Rousseff (Casa Civil), Antonio Palocci (Fazenda) e Paulo Bernardo (Planejamento). Irritado e preocupado com as desavenças, Lula chamou Palocci e Dilma para uma reunião na Granja do Torto logo de manhã, antes de viajar para Teófilo Otoni (MG). Evitando tomar partido, disse que divergências explícitas neste momento só aumentam a fragilidade política do governo junto à oposição.

O presidente quer que "baixem o tom" do debate e deixem a discussão sobre o percentual de superávit primário para mais tarde. Lula ainda cancelou uma viagem hoje a Mucuri (BA) e São Mateus (ES) devido à alta temperatura no cenário político, embora a explicação oficial tenha sido de que a necessidade de incluir na agenda encontros com movimentos sociais locais. Lula retornou a Brasília assim que encerrou a cerimônia em Minas Gerais, no fim da tarde, e foi direto para o Palácio do Planalto.

- Baixem a bola - disse Lula aos ministros.

Lula também chamou à Granja do Torto o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o presidente nacional do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), e o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP). Repetiu que é preciso um esforço para parar com as divergências públicas. Insistiu que os diferentes pontos de vista sobre os rumos da economia devem se manter no campo técnico e nos debates internos.

- Vocês têm divergências, mas deixem isso nos seus devidos lugares - disse Lula, segundo interlocutores.

Vice-presidente diz dar razão à ministra Dilma

A avaliação no governo é que a posição de Palocci só se torna mais delicada com debates públicos como esse. O governo concluiu que era preciso proteger a economia de qualquer forma e, por isso, o Planalto negou enfaticamente, ainda que informalmente, a saída de Palocci do governo. Lula passou a manhã em reuniões no Torto. Palocci chegou à residência oficial antes das 9h e só deixou o local às 11h50m, pouco antes de o presidente viajar. Por conta da própria estabilidade da economia, integrantes do governo disseram que, dessa vez, Palocci "venceu a briga" com a ministra Dilma. Ele recebeu a solidariedade inclusive de críticos à sua política, como o próprio Mercadante.

Já o vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar, deu razão a Dilma e voltou a se queixar das altas taxas de juros:

- Eu, por força da minha experiência e da minha vida, dou razão à ministra Dilma. No momento em que você trouxer as taxas de juros para o patamar internacional, você pode reduzir o superávit. Nem precisa de superávit. Se baixássemos, nem precisaríamos conversar sobre isso. É questão apenas de aritmética elementar.

Diante da repercussão de suas declarações sobre a política econômica de longo prazo, a ministra Dilma, que já tinha procurado os colegas Palocci e Bernardo, disse que não teve a intenção de ofender ninguém e que considerava ter usado termos respeitosos - mas também não mudou a posição crítica em relação ao rigor do ajuste fiscal, embora reconhecendo que a repercussão fora muito grande e, por isso, infeliz.

Na Esplanada, ministros e aliados se dividiram na defesa de Dilma e de Palocci, de outro. Os defensores de Palocci argumentaram que as críticas de Dilma só aumentaram a tensão política. Já os aliados de Dilma se apressaram em dizer que o presidente tinha dado um "puxão de orelhas" não apenas na ministra, mas também nos demais envolvidos, e que ela apenas explicitou uma discussão corrente dentro do governo.

No Congresso, Mercadante fez uma defesa mais contundente do ministro da Fazenda: disse que a responsabilidade fiscal não seria modificada. Mas ao comentar a disputa entre Dilma e a equipe econômica, por causa do superávit fiscal elevado, ele citou o fato como algo natural numa dinâmica de governo.

- Esses ataques de setores da oposição são conseqüências da aproximação do ano eleitoral. Esse governo não vai abdicar do compromisso da responsabilidade fiscal. O presidente já deixou isso claro. Não há briga interna. Mas, sim, uma disputa sobre concepções, o que é natural em todos os governo.

Berzoini também defendeu Palocci, mas negou crise interna. Berzoini também assegurou que estava fora de cogitação uma eventual saída de Palocci, mas elogiou Dilma.

- A oposição perdeu a serenidade por causa das eleições. O Palocci tem credibilidade suficiente, não precisa de blindagem. O ministro é de grande responsabilidade e ele fica no governo. Mas não há problemas internos. A Dilma deu uma entrevista equilibrada. Ela está certa: temos que executar o Orçamento - disse Berzoini.

Um velho debate

O velho debate sobre a necessidade de fazer superávit primário para pagar juros da dívida pública ou aumentar investimentos é o ponto central da briga atual entre a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff e os ministros da Fazenda, Antonio Palocci, e do Planejamento, Paulo Bernardo. Dilma defende o aumento dos gastos públicos, enquanto a equipe econômica mantém uma atitude mais conservadora, que inclui não apenas a limitação dos gastos, mas também uma meta de superávit primário elevada - a meta anual de 4,25% do PIB já alcançou 6,1% no período de 12 meses.

O conflito ficou mais acirrado desde que o Ministério do Planejamento, com o apoio da Fazenda, começou a elaborar um plano fiscal de longo prazo que prevê não apenas a limitação dos gastos correntes em 17% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2006, mas também a redução desse percentual para 16% nos próximos dez anos. A idéia da equipe econômica também é aumentar a desvinculação de receitas da União - que hoje está em 20% - para 35% no longo prazo. Com mais dinheiro livre, o governo teria maior liberdade para escolher onde aplicar esses recursos.

Numa reunião da Câmara de Política Econômica realizada há duas semanas, o plano fiscal de longo prazo começou a ser debatido. Mas enquanto Palocci e Paulo Bernardo defenderam as medidas propostas, Dilma fez várias críticas e disse que a equipe econômica deveria pensar no efeito do plano "para a vida das empresas e das pessoas". A tensão piorou com a entrevista da ministra Dilma ao jornal "O Estado de S.Paulo", no qual chamou o plano fiscal proposto de "rudimentar".

Legenda da foto: DILMA: a ministra deu explicações aos colegas