Título: SOMBRAS DO PASSADO
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 11/11/2005, O País, p. 4

O depoimento de Vladimir Poleto ontem na CPI dos Bingos foi mais danoso à imagem do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, do que todos os problemas políticos que ele possa estar tendo com as críticas da ministra Dilma Rousseff contra sua política econômica. E pode vir a ser fatal para o próprio governo do presidente Lula e para o PT, pois tornou verossímil a reportagem da revista "Veja" sobre o recebimento de dólares de Cuba.

O espectro do passado de Palocci em Ribeirão Preto o assombra desde que um outro ex-assessor seu, Rogério Buratti, revelou que havia um esquema de recebimento de propinas na prefeitura, esquema esse que vem sendo provado paulatinamente nas investigações que o Ministério Público vem realizando.

A existência da República de Ribeirão Preto, que se reunia em uma casa do Lago Sul em Brasília, e que os ex-assessores apelidavam de "central de negócios", é uma cunha na credibilidade do ministro Palocci, mesmo que todos eles se empenhem em afirmar que o ministro da Fazenda nunca freqüentou a casa. A ligação de Poleto, de Buratti e de tantos outros com o chefe de gabinete do ministro, Juscelino Dourado, que até mesmo já se demitiu, e com outros assessores de Palocci, as ligações telefônicas de Poleto para Ademirson da Silva, assessor especial de Palocci, quase duas por dia, mostram que continuaram mantendo contato íntimo mesmo depois que Palocci virou ministro da Fazenda.

O senador Arthur Virgílio, falando em nome da oposição, entregou os pontos ontem na CPI, depois do depoimento mentiroso de Poleto. Disse que se empenharam em defender o ministro pela política econômica que vinha desenvolvendo, mas que não tinha mais fôlego para protegê-lo diante das evidências de que esteve pessimamente cercado quando foi prefeito de Ribeirão Preto.

Se pudesse dividir o ministro Palocci em dois, disse Virgílio, ficaria com o atual ministro da Fazenda e abandonaria o Palocci de Ribeirão Preto. Mas como isso não é possível, Arthur Virgílio disse que a oposição não poderia mais se calar diante das evidências de que, tanto na gestão da prefeitura, quanto na campanha presidencial de 2002 de Lula, Palocci atuou como arrecadador informal de financiamento para o PT e participou de irregularidades como a que começa a ser provada na história dos dólares de Cuba denunciado pela revista "Veja".

Vladimir Poleto é um caipirão com jeito de inocente, mas que só paga suas coisas em dinheiro vivo. Pagou R$60 mil adiantados pelo aluguel da casa para negócios em Brasília, e disse ontem que pagou seus advogados também em dinheiro vivo. Desmascarado pela gravação feita pelo repórter Policarpo Junior e divulgada ontem por "Veja", Vladimir Poleto transformou-se no primeiro caso de depoimento mentiroso das CPIs que foi desmontado em plena sessão, e logo num caso tão grave quanto o dos dólares cubanos.

Eu mesmo escrevi aqui que a história de "Veja" parecia inverossímil em vários pontos, mas diante das mentiras flagradas de Poleto, fica claro que naquelas caixas de uísque e rum havia mais coisa do que simplesmente bebida. Rogério Buratti já havia, em depoimento anterior na CPI, confirmado que ouvira de Ralf Barquete uma pergunta sobre a melhor maneira de internar dólares. O que parecia uma consulta absurda, despropositada, foi justificada por Buratti por ele trabalhar com transferência de dinheiro.

O depoimento de Buratti ainda confirmou que o dinheiro viria de Cuba. No mesmo depoimento, Buratti colocou o ministro Palocci em situação difícil ao afirmar que ele sabia que um grupo de donos de bingos havia doado R$1 milhão para a campanha presidencial de Lula.

Mas mesmo os detalhes mais desajustados parecem possíveis com essas "figuraças" que assessoravam o hoje ministro Palocci em Ribeirão Preto. Já corre no governo o hábito de classificar como oriundas das "Organizações Tabajara", do programa "Casseta e Planeta" da Rede Globo, as trapalhadas que se sucedem.

O que mais abala hoje o ministro Palocci nas críticas da ministra Dilma Rousseff ao plano de longo prazo de equilíbrio fiscal que está sendo elaborado por sua equipe, não é um eventual objetivo político que porventura pudesse estar por trás das declarações, mas exatamente o contrário.

Ele está convencido de que a ministra Dilma está fazendo críticas abertas à sua equipe apenas com o objetivo de ocupar espaço em um governo que já não tem comando. A ministra Dilma teria se reunido com políticos na casa do senador Ney Suassuna e ouvido críticas pesadas à política econômica do governo, sem que a tivesse defendido.

Ontem, depois de ter acertado um depoimento na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, foi convocado também por uma comissão da Câmara que trata do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico (Fundeb), o que foi interpretado pelo próprio Palocci como um sinal de que os políticos já estariam considerando que ele está enfraquecido.

O ministro da Fazenda anda bastante abatido nos últimos dias e faz uma análise íntima sobre seu futuro político. Ele está convencido de que perdeu o apoio incondicional do presidente da República, e avalia se valerá a pena continuar no governo sendo alvo de todo tipo de críticas.

Mesmo surpreso pelas críticas da ministra Dilma Rousseff, o ministro Palocci esperava que o presidente Lula assumisse a defesa da política econômica. Não tendo acontecido nem uma retratação por parte da ministra, nem uma atitude do presidente Lula a seu favor, Palocci depreende que a opinião pública pode entender que o presidente Lula já não está tão convencido de que a equipe econômica está no caminho certo. Se, ao contrário, o presidente Lula der uma demonstração clara de que não mudará os rumos da economia, ele poderá falar no Senado com um respaldo político de que ele já se ressente.