Título: PAULO BERNARDO: 'GOVERNO PREJUDICA O GOVERNO'
Autor: Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 11/11/2005, O País, p. 8

'A oposição está batendo no Palocci com o evidente objetivo de enfraquecê-lo. O nosso pessoal não percebe'

BRASÍLIA. Depois de ter se transformado em alvo daqueles que pretendem atacar a política econômica mas não querem digladiar com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, alertou colegas de governo, petistas e base aliada para o fato de que não é seu estilo alimentar disputas internas. Ao GLOBO, ele disse ontem que neste momento em que a aposição adotou uma linha ofensiva, inclusive contra o ministro Palocci, o tiroteio interno só enfraquece ainda mais o governo.

- O governo está debaixo de um fogo cruzado. A oposição está batendo no Palocci com o evidente objetivo de enfraquecê-lo. O nosso pessoal não percebe isso e, em vez de atirar para o lado de lá (contra a oposição), atira para o lado de cá. É o governo prejudicando o governo - advertiu Bernardo, um dia depois de ter entrado na linha de tiro dos desenvolvimentistas do governo, liderados pela chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", na quarta-feira, Dilma Rousseff criticou o plano de ajuste fiscal de médio e longo prazos defendido pelo Planejamento. Ela considerou rudimentar a proposta de Paulo Bernardo de redução de gastos a longo prazo. Mesmo assim, o ministro do Planejamento evitou polemizar com sua colega de ministério. Revelou que anteontem, numa rápida conversa com Dilma, por iniciativa dela, a ministra tentou explicar suas declarações.

- A Dilma talvez não tivesse esse objetivo (de o atacar). Ela foi infeliz. Ela me disse que ficou chateada e que não era aquilo que ela esperava da matéria (da entrevista). Ela usou palavras de maneira mais enfática. Não vejo maldade nas declarações dela. Acho que ela não teve a intenção de bater. Para mim, foram palavras mal colocadas. Agora, é lógico que isso sempre atrapalha - observou Paulo Bernardo, num tom bem mais calmo do que no dia anterior, quando foi publicada a entrevista de Dilma.

Paulo Bernardo fez, no entanto, duras críticas à indefinição do PT sobre os rumos da economia. Ele rebate os ataques e reclama que os mesmos que costumam fazer críticas ao programa de governo não apresentam propostas nem soluções alternativas.

- O PT tem algo mal resolvido com essa questão da condução da economia. O nosso problema na economia não é de solução fácil. Todo mundo critica, mas ninguém fala em alternativa - desabafou o ministro do Planejamento.

Ele queixou-se ainda dos ataques constantes dos próprios aliados do governo contra a política fiscal da equipe econômica. O líder do PC do B, deputado Renildo Calheiros (PE), foi um dos que fizeram críticas a Paulo Bernardo, dizendo que ele queria ser mais realista do que o rei, no caso o Fundo Monetário Internacional (FMI). Era uma referência à economia para pagar juros (superávit), que este ano já superou em R$16,7 bilhões o total obtido em 2004. Até setembro, o superávit primário foi de R$86,5 bilhões, o que representa 6,1% do PIB. A meta para todo o ano de 2005 era de R$82,7 bilhões, que corresponde a 4,25% do PIB.

- Eu não quero ser mais realista do que o rei. Aliás, de que rei? Do Fundo Monetário Internacional? Não há mais acordo com o FMI. O presidente Lula realizou esse sonho da esquerda - rebateu o ministro.

Ele reconhece ainda que o superávit primário é elevado, mas que, da parte do governo federal, o esforço é para tentar gastar o máximo até o fim do ano.

FH DEMITIU AMIGOU E CRITICOU MALAN

Amigo de décadas do então presidente Fernando Henrique Cardoso, Clóvis Carvalho, que havia sido chefe da Casa Civil no primeiro governo do tucano e se tornou ministro do Desenvolvimento no segundo, foi demitido em setembro de 1999 depois de criticar publicamente a condução da política econômica num seminário promovido pelo PSDB. Fernando Henrique demitiu o amigo um dia depois do discurso. O então ministro da Fazenda, Pedro Malan, estava no seminário e ouviu, de cabeça baixa, Clóvis dizer, entre outras coisas, que ajustes não deveriam ser entendidos como camisas-de-força para iniciativas voltadas para o desenvolvimento e que excesso de cautela poderia ser sinônimo de covardia. Malan havia feito a apresentação inicial do seminário "Desenvolvimento com estabilidade".

Malan se queixou com Fernando Henrique, que mais uma vez defendeu seu ministro da Fazenda:

- Não vai haver crescimento sério sem estabilidade. Crescimento é fácil: é só soltar dinheiro. Mas vem a inflação, os pobres ficam mais pobres, os ricos ficam mais ricos e em algum tempo temos crise de novo. Isso eu não quero.

Clóvis ainda tentou voltar atrás depois das críticas, deu entrevistas elogiando Malan, mas Fernando Henrique considerou as explicações insuficientes. "Não há mais espaço para indulgências", disse a Clóvis ao demiti-lo.

Malan foi o único dos pais do Plano Real a permanecer no governo ao longo dos dois mandatos de Fernando Henrique. O ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, também da equipe que criou o plano, disse no ano passado, quando o Real completou dez anos, que Malan teria ameaçado sair do governo quando ele deixou a presidência do BC, em 1999, durante a mudança do regime cambial.

Alcides Tápias, que sucedeu a Clóvis Carvalho à frente do Ministério do Desenvolvimento, também teve enfrentamentos com Pedro Malan. A principal discordância com relação ao ministro da Fazenda referia-se à reforma tributária. Para Tápias, que se intitulava "um guerrilheiro da reforma tributária", o governo em geral e o Ministério da Fazenda, em particular, não se esforçavam o suficiente para levá-la adiante.

"O PT tem algo mal resolvido com essa questão da condução da economia"

PAULO BERNARDO , Ministro do Planejamento

"Não há mais acordo com o FMI. O presidente Lula realizou esse sonho da esquerda"

PAULO BERNARDO , Ministro do Planejamento

Legenda da foto: O MINISTRO DO Planejamento, Paulo Bernardo: água na fervura da polêmica com ministra da Casa Civil