Título: SUL JÁ SE PREPARA PARA CHEGADA DE LA NIÑA
Autor: Chico Oliveira
Fonte: O Globo, 13/11/2005, O País, p. 16

Governo e agricultores tentam evitar prejuízos com estiagem causada pelo resfriamento das águas do Pacífico

PORTO ALEGRE. Depois de perder mais de R$4 bilhões de reais (4% de seu PIB) com a seca dos primeiros meses deste ano, o Rio Grande do Sul pode enfrentar uma situação ainda pior em 2006. O La Niña, como é chamado o fenômeno de resfriamento das águas do Pacífico, fará com que chova menos. As secas na Amazônia, agravadas depois que o excesso de furacões no Caribe sugou a umidade da região tropical complicarão ainda mais a situação, porque é a umidade da Amazônia que causa as chuvas no Rio Grande do Sul quando se encontra com as massas de ar frio que vêm do sul do continente. Os meteorologistas não têm dúvida de que a seca se repetirá e que ela será grave. Por isso, o estado começa a se mobilizar para minimizar os estragos.

¿ Temos algumas saídas importantes, mas não conseguiremos evitar que ocorram danos. Podemos minimizá-los um pouco, mas tudo irá depender da gravidade do fenômeno ¿ diz o agrônomo Dulphe Pinheiro Machado Neto, integrante de um grupo nomeado pelo governo estadual para apontar iniciativas que reduzam os problemas.

Emater propõe antecipar plantio de soja e milho

Algumas providências que estão sendo sugeridas aos agricultores pelos 482 escritórios da Emater que atendem aos 496 municípios do estado podem efetivamente reduzir a exposição das safras à falta de chuvas. A mais importante é antecipar ao máximo os plantios das culturas mais importantes, como soja e milho. Segundo Dulphe, é possível antecipar o plantio em até um mês, sem fugir do zoneamento agroclimático exigido para que a lavoura tenha cobertura do Proagro.

Além disso os produtores estão sendo orientados a plantar diferentes variedades, com ciclos de evolução diversos. Com isso, alguma coisa terminarão colhendo, evitando a repetição da situação verificada este ano, quando milhares de lavouras tiveram perda total e aos prejuízos do principal cultivo do estado, a soja, chegaram a 70%.

Além dessas providências estão sendo construídos poços artesianos nas cidades mais atingidas e a Emater também recomenda que os produtores construam cisternas para armazenar a água das chuvas. Isso não permitirá irrigar as lavouras, mas ao menos será suficiente para o consumo na propriedade, manejo do gado e das demais criações.

Estação climática deu o primeiro alerta

Essas providências estão sendo antecipadas porque, há dois meses, a Rede de Estações de Climatologia Urbana, de São Leopoldo, que dá apoio à Defesa Civil do estado, vem alertando que o fenômeno será inevitável. Reforçando essa previsão, o National Oceanic & Atmospheric Administration (NOAA), dos Estados Unidos, acaba de divulgar que o La Niña está em desenvolvimento, começando a resfriar as águas do Pacífico. Havendo menor evaporação virá menos umidade para o continente, secando o ar e favorecendo a estiagem, explica o meteorologista Eugenio Hackbart, coordenador da Rede de Estações.

¿ O La Niña também favorece o frio e, por isso, teremos períodos de temperaturas baixas durante o verão, intercalados com ondas de calor ¿ diz ele, anunciando mais uma má notícia para os gaúchos, que nos meses de janeiro e fevereiro praticamente se transferem para as praias, principalmente no litoral norte, entre Torres e Tramandaí.

Mas as más notícias não páram por aí. As previsões da meteorologia não reservam bons momentos para os gaúchos ao longo de todo o primeiro semestre de 2006. Além do fenômeno La Niña, outro fator que fará reduzir as chuvas no ano que vem será a redução expressiva da umidade que viria da Amazônia e que foi sugada pelos furacões do Caribe ¿ e ainda a entrada em uma fase de baixa atividade solar. Os períodos serão mais frios e secos. E, além de ficar sem chuvas nos primeiros meses do ano, que são vitais para a agricultura, os gaúchos ainda terão uma antecipação do inverno de 2006, que também será mais rigoroso. O frio deve começar já em março, normalmente um mês ameno, prevê Hackbart.

¿ A combinação de todos esses fatores levou a Climatologia Urbana a sinalizar a estiagem da primeira metade de 2006. Não se pode ainda afirmar se será mais severa ou mais prolongada do que as ocorridas em 2004 e 2005. Mas vai acontecer. A situação é preocupante e merece sério acompanhamento. Precisamos monitorar isso ¿ adverte o meteorologista.

Antes da estiagem, sempre há excesso de chuvas

Para quem ainda tem dúvidas quanto à repetição do fenômeno dentro de parâmetros graves, Hackbart cita um dado estatístico:

¿ As estatísticas de variadas décadas mostram que antes de uma estiagem há um excesso de chuvas. E em setembro e outubro deste ano as chuvas foram três vezes maiores do que a média histórica do estado ¿ informa.

Como não há nada que possa ser feito a curto prazo para corrigir o clima, o Rio Grande do Sul entrou em contagem regressiva para sua próxima grande estiagem. Vai ser difícil perder novamente oito milhões de toneladas de grãos, como ocorreu no início deste ano, causando prejuízos em todos os setores de atividade dos gaúchos.