Título: ADESÃO DA VENEZUELA AO MERCOSUL AFASTA BLOCO SUL-AMERICANO DOS EUA
Autor: Eliane Oliveira, Janaina Figueiredo e Monica Tavar
Fonte: O Globo, 13/11/2005, Economia, p. 33

Aliança com Hugo Chávez dificultará acordos comerciais com americanos

BRASÍLIA e BUENOS AIRES. A forte aliança entre o Mercosul e o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, inviabiliza um futuro acordo do tipo 4+1 entre o bloco e os Estados Unidos. Este, na opinião de fontes do governo e do setor privado, é o preço a ser pago pelas boas relações com o presidente venezuelano. Se depender de Chávez, a Venezuela entrará no Mercosul como sócio pleno no início do próximo mês, quando os presidentes dos países do Cone Sul se reunirão em Montevidéu, no Uruguai.

Do ponto de vista político, as boas relações entre o Mercosul e a Venezuela têm sido estimuladas, principalmente, por Uruguai e Argentina, cujos interesses econômicos e comerciais vão além dos rompantes do presidente venezuelano em fóruns como o realizado em Mar del Plata, na Argentina, há pouco mais de uma semana. Ao dizer que estava no balneário argentino para enterrar a Alca, Chávez ajudou a isolar ainda mais o Brasil e os parceiros do bloco: Venezuela e Mercosul assumiram uma posição e o resto do Hemisfério foi para outro lado, favorável ao acordo na região.

¿ A Venezuela é o único país que compra dívida argentina e está anunciando que vai construir uma refinaria no Uruguai. A dependência é grande ¿ afirma uma fonte do governo brasileiro.

O fato é que Chávez já anunciou que quer ser membro pleno do Mercosul e os quatro países do bloco tomaram a decisão política de aceitá-lo. Para isso, no entanto, ele precisará assinar o Tratado de Assunção e aderir à Tarifa Externa Comum (TEC). Há dúvidas se, ao proceder dessa forma, Chávez poderia ser obrigado a deixar a Comunidade Andina.

¿ É uma decisão complexa, mas cabe a ele decidir ¿ analisa um graduado diplomata brasileiro.

Comércio entre Venezuela e Brasil cresceu 89% em 2004

O Brasil optou por assumir uma posição essencialmente pragmática: não dá para se afastar de um país que está disposto a ajudar a construir uma refinaria em Pernambuco. Além disso, há acordos na área de energia em execução e um projeto comum de exploração de gás e petróleo em Orinoco, na Venezuela. Sem contar o comércio bilateral, que cresce de forma vertiginosa.

¿ Deixemos de discutir a Alca. A integração sul-americana é inevitável e é o melhor caminho para o nosso desenvolvimento. O resto é conversa fiada de mal-intencionados ou de cegos ¿ afirma o presidente da Câmara Venezuelana-Brasileira de Comércio Indústria, José Francisco Marcondes Neto, destacando que o comércio bilateral cresceu 88,92% em 2004, frente a 2003.

José Alves Donizete, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, pensa da mesma forma:

¿ O Brasil tem muito mais a ganhar com a Venezuela, que é um país que, além de sua riqueza petrolífera, compra muito de nós, especialmente manufaturados ¿ afirma ele.

Os governos de Argentina e Uruguai estão trabalhando intensamente para que a incorporação da Venezuela como membro pleno do Mercosul seja anunciada na próxima cúpula do Mercosul. Na visão dos governos Néstor Kirchner (Argentina) e Tabaré Vázquez (Uruguai), o acordo com Hugo Chávez terá impacto positivo em ambos os países, que nos últimos meses aprofundaram seus vínculos com a Venezuela.

¿ A incorporação da Venezuela é um fato político de enorme importância ¿ disse, recentemente, o chanceler uruguaio, Reinaldo Gargano.

Chávez comprou papéis da dívida argentina

No caso da Argentina, o governo venezuelano participou de vários leilões de bônus argentinos, gesto muito bem recebido pelo presidente Kirchner, ainda às voltas com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Sem acordo com o Fundo, a Argentina foi obrigada a captar recursos no mercado interno para cobrir suas necessidades de financiamento. Com este pano de fundo, a decisão de Chávez de comprar papéis argentinos reforçou o vínculo entre os dois países.

Da parte do Brasil, apenas a refinaria de Pernambuco, a ser construída em parceria entre a Petrobras e a venezuelana PDVSA, terá capacidade para processar 200 mil barris de petróleo, principalmente de diesel e gás liquefeito de petróleo (GLP). Ela permitirá o abastecimento do Nordeste, reduzindo as importações de derivados.

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