Título: Educação? Não é com Tarso Genro
Autor: Elio Gaspari
Fonte: O Globo, 10/11/2004, Opinião, p. 7

Oministro Tarso Genro portou-se como um magistrado diante do relatório da Unesco que classificou o sistema educacional brasileiro em 72 lugar numa lista de 127 países: ¿O resultado não é nem da história do atual nem do último governo, mas a história de sucessivos governos que não tinham sentido republicano, estratégia, e não consideravam a educação um bem público essencial. (...) Queremos que o governo atual seja um marco que fará essa virada.¿

Tomara, mas se depender do doutor Genro, é improvável que isso aconteça. Pelo seguinte:

No domingo o ministro da Educação deu três entrevistas. Falou ao GLOBO, à ¿Folha¿ e ao ¿O Estado de S. Paulo¿. Discutiu seu livro ¿Esquerda em processo¿, um volume de 126 páginas, com onze textos, cinco dos quais escritos depois de sua chegada ao governo federal, em 2003. Tarso Genro dispôs de um espaço equivalente a sete vezes o deste artigo. Tratou do ¿rebaixamento do horizonte utópico¿, mas não pronunciou uma só vez, no singular ou no plural, as palavras ¿universidade¿, ¿escola¿, ¿educação¿, ¿professor¿ ou ¿aluno¿. Quando um entrevistador lhe perguntou se aplica no Ministério da Educação suas idéias políticas (disponíveis no livro), respondeu:

¿Eu não ponho em prática no ministério as minhas idéias pessoais. Aqui no MEC eu estou comprometido com um programa de governo, que é plural, filosoficamente laico e profundamente democrático. Acho que não cabe ao ministro aplicar suas idéias.¿

Tudo bem. Um país onde o ministro se orgulha de não aplicar suas idéias (sejam elas quais forem) no cargo que ocupa, tem muita sorte quando se classifica no início da segunda metade do mundo. O doutor Genro vai mais longe. No livro, refere-se à fusão nuclear, e ao ¿manto fáustico-produtivista¿. ¿Escola¿, ¿professor¿ ou ¿aluno¿, no singular ou no plural, nem pensar. Como o livro é dele, paciência.

Tarso Genro é um raro pensador político capaz de dissertar sobre ¿gestão da esquerda¿ e ¿utopia realista da esquerda¿ sem que as palavras ¿educação¿ e ¿universidade¿ passem pelo seu teclado. Por essas e outras, os brasileiros sustentaram (e sustentam) o bacharelismo verboso de ¿governos que não tinham sentido republicano, estratégia, e não consideravam a educação um bem público essencial¿.

Cheiro de placa queimada

O repórter Daniel Ritter informa que o Ministério da Fazenda já se comprometeu a liberar R$ 200 milhões em subsídios para a venda de até um milhão de computadores populares a famílias de baixa renda. A indústria quer cobrar R$ 1.500 por cada máquina e o governo quer pagar R$ 1.200.

Desde o dia 20 de outubro sabe-se que a multinacional AMD produziu um computador barato com funções básicas, capaz de navegar na internet. Ele irá para as lojas por 249 dólares (R$ 722, ou menos da metade do que o cartório da informática pede a Brasília). A AMD acredita que até 2015 metade da população mundial terá acesso à internet. Hoje essa fatia está em 10%. Ela pretende vender suas máquinas na Índia, no México e no Brasil.

Uma instigante discussão para o comissariado da informática mostrar à choldra. A máquina da AMD só roda programas da Microsoft. Ou seja, a boa notícia é que em 2015 metade do mundo poderá ter computador. A péssima notícia é que, se depender da AMD, em 2015 metade do mundo estará amarrada ao sistema Windows, pagando à Microsoft suas variadas modalidades de pedágio.

Uma coisa é certa: o cartório da informática, que infelicita o país há décadas, quer empurrar no governo um computador de R$ 1.500 (ou R$ 1.200) sabendo que há outro no mercado por R$ 722.

Se bobear, vem aí mais um programa para as famílias de baixa renda, destinado a enriquecer famílias de industriais de muita renda e nenhuma competitividade.