Título: A POLÍTICA É DE LULA. NEM TANTO.
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Fonte: O Globo, 14/11/2005, O País, p. 4

Nos últimos dias, convencionou-se dizer, primeiro na oposição e agora até entre governistas, que a economia passa incólume por uma troca de ministro da Fazenda. Argumenta-se que chegamos a um grau de maturidade em que políticas institucionais se sobrepõem a mudanças conjunturais.

Parece não ser bem assim. Tudo indica que, apesar dos avanços no rumo da estabilidade e da responsabilidade fiscal, ainda não chegamos a esse ponto ¿ e oposição e governo sabem disso. Neste momento, porém, a conversa para boi dormir é conveniente. Para uns, porque desejam enfraquecer Lula para a reeleição derrubando o último pilar sólido do governo ¿ Antonio Palocci e a política econômica ¿ sem carregar o ônus de ter botado fogo no circo. Para outros, porque, se o pior vier a acontecer, tenta-se salvar o barco com novo capitão.

O presidente Lula está entre esses últimos, e quem leu a nota do Planalto no sábado pode perceber claramente que o objetivo é ir além do apoio político a Palocci: ¿Diante de boatos, o presidente da República reafirma que não estuda mudanças na política econômica, que é de sua responsabilidade, nem na pessoa escolhida por ele para conduzi-la: o ministro Antonio Palocci¿.

É certo que a mensagem teve como primeiro destinatário o ministro da Fazenda, sob intenso tiroteio da oposição nas CPIs do Congresso e do próprio governo na guerra interna por conta da execução orçamentária. Irritado, Palocci ameaçou sair e cobrou uma satisfação clara do presidente ¿ que, por sinal, demorou 48 horas.

Pelo sim, pelo não, porém, a nota traz um aviso aos navegantes: a política econômica é do presidente Lula, e não de Palocci. Para bom entendedor, a parte mais importante do recado: se Palocci vier a sair, a política vai continuar. Ou seja, o Planalto, apesar de todas as negativas, trabalha, sim, com a possibilidade de que o pior venha a acontecer.

O que não quer dizer que Lula não vá fazer de tudo para evitar a saída de Palocci, espremido hoje entre o fogo amigo e as denúncias envolvendo ex-auxiliares da chamada ¿República de Ribeirão Preto¿. O presidente e todo o governo sabem que a situação se complica muito para 2006 se o braço direito do governo do PT cair em meio a denúncias de envolvimento nos escândalos do valerioduto, que já deceparam o braço direito, José Dirceu.

Seria quase tão ruim, para o presidente, quanto uma hipotética demissão de Palocci por conta das divergências em torno do arrocho fiscal com a ministra Dilma Rousseff e outros setores do governo.

Mal ou bem, a economia vai seguindo em frente, e talvez seja ela a última ponte que ainda une o governo do ex-metalúrgico a determinados setores do empresariado e das classes mais favorecidas num momento em que o PT perde o apoio de boa parte das classes médias e das elites. Por mais que Lula venha insistindo no discurso de governar para os pobres e com os pobres, sabe que dinamitar essa ponte pode ser muito perigoso. Ou explode 2006 de uma vez ou terá um efeito de longo prazo, fulminando as condições de governabilidade num segundo mandato.

Mudar a política econômica com gestos ostensivos como a redução do superávit, portanto, está fora de cogitação. Ao mesmo tempo, porém, é grande a pressão, na Esplanada e no que restou da base aliada, por mais gastos nesse finzinho de ano pré-eleitoral e no próximo. O próprio Lula, ao que se sabe, anda impaciente com a lentidão nos níveis de execução orçamentária. Faz nota apoiando o ministro da Fazenda e dizendo que não muda a política econômica, mas dá seguidos sinais de que, no fundo do coração, está mesmo é ao lado de Dilma nessa parada. Diante disso, o PT se sente à vontade e sai em campo contra o conservadorismo da política. Cria-se aquele clima que conhecemos bem.

E onde entra o Palocci nisso tudo? É aquele sujeito chato que diz não, mas que tem estatura para, na correlação interna de forças do governo, convencer o presidente a manter a linha e segurar certos ímpetos do PT. Ou que, mesmo fragilizado, conseguiria, se necessário, mudar sem parecer que está mudando. Um ortodoxo como Murilo Portugal, por exemplo, faria o dever de casa direitinho do ponto de vista técnico. Só que, politicamente, seria mais fraco do que um Palocci fraco.

Lula está preso nesse jogo. Já perdeu um dos bispos e não quer entregar a cabeça do outro. Depois disso, é xeque-mate.