Título: CPI vai aprofundar investigações de remessas de dinheiro para Angola
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Fonte: O Globo, 14/11/2005, O País, p. 4

Líder do PFL quer saber se há alguma ligação com doação de campanha

BRASÍLIA e BELO HORIZONTE. Integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Correios anunciaram ontem que a partir desta semana vão aprofundar as investigações sobre as movimentações financeiras do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, o Trade Link Bank e o suposto pagamento de propina a autoridades angolanas, a chamada Conexão Angola. Reportagem publicada no GLOBO de ontem mostra que o Trade Link fez 21 remessas para o ministro das Finanças, José Pedro de Morais Júnior, e para o presidente do Banco Nacional (Central), Amadeu de Jesus Castelhano Maurício, dois dos principais auxiliares do presidente de Angola, José Eduardo dos Santos.

O Trade Link, uma off-shore nas Ilhas Cayman com estreitos vínculos com o Banco Rural, foi um dos canais usados por Marcos Valério para pagar R$10,5 milhões ao publicitário Duda Mendonça no exterior, sem avisar o Banco Central e a Receita Federal. Laudo da Polícia Federal informa que o Trade pagou aproximadamente US$900 mil à Dusseldorf, uma off-shore de Duda Mendonça com conta no Bank Boston, em Miami.

CPI busca ligações entre valerioduto e repasses

A CPI quer saber se há ligações entre a lavagem de dinheiro do valerioduto, os repasses para autoridades do governo angolano e o suposto pagamento de propina de grandes empresas brasileiras interessadas nas obras de reconstrução de Angola.

O deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), sub-relator de Movimentação Financeira da CPI, pedirá ainda hoje o rastreamento de ligações telefônicas internacionais da SMP&B e DNA, entre outras empresas de Valério. O deputado quer saber se Valério ou algum de seus auxiliares fizeram ou receberam ligações de Angola. Fruet também espera concluir nos próximos dias o levantamento das movimentações financeiras no exterior de empresas de Valério, do Trade Link e da Dusseldorf.

¿ É estarrecedor tudo isso, principalmente se for confirmada a informação de que, em Angola, as autoridades recebem até 15% de comissão pelos negócios que fazem ¿ disse Fruet.

Remessas a Morais chegaram a US$2,6 milhões

Documentos obtidos pela quebra parcial do sigilo do Trade Link mostram que a off-shore fez, entre janeiro de 2003 e janeiro de 2005, 20 remessas no valor de aproximadamente de US$2,6 milhões para contas em nome de Pedro de Morais.

¿ É uma situação suspeita, que exige uma investigação pormenorizada, uma vez que existem empresas brasileiras que atuam naquele país e mantêm relações com o poder público no Brasil ¿ disse o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), sub-relator de Contratos da CPI dos Correios.

Para o líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN), é importante também que a CPI investigue eventuais vínculos entre a conexão angolana e a suposta contribuição dos empresários angolanos Artur José Valente de Oliveira Caio e José Paulo Teixeira, donos de uma fábrica de máquinas de videobingos, para a campanha eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002.

Em depoimento ao Ministério Público de São Paulo, o advogado Rogério Buratti disse que os dois ofereceram R$1 milhão à campanha de Lula em troca de uma futura regularização dos bingos. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, teria intermediado as negociações. Buratti também disse que ele tentou fechar negócios em Angola para a empresa de limpeza urbana Leão Leão, que prestava serviços em Ribeirão Preto, mas não teve sucesso. O empresário Roberto Colnaghi, também ligado a Palocci, conseguiu, de acordo com o depoimento de Buratti, segundo a revista ¿Istoé Dinheiro¿.

¿ É muita coincidência o Trade Link fazer pagamentos a autoridades angolanas e ao mesmo tempo empresários de bingos angolanos fazerem doações para a campanha do presidente Lula ¿ disse José Agripino Maia.

O GLOBO voltou ontem a procurar Pedro de Morais e Amadeu Castelhano por intermédio de Bastos Oliveira, assessor de imprensa do Ministério das Finanças. Mas Bastos não retornou a ligação. Na sexta-feira, o assessor disse que o ministro só deve se pronunciar sobre o assunto nesta segunda-feira.

¿Não conheço ninguém em Angola¿, diz Marcos Valério

Marcos Valério de Souza negou ontem conhecer a Trade Link Bank. O empresário disse ainda que a suposta ligação dele com essas remessas é fantasiosa.

¿ Virou cômico. Eu nunca remeti dinheiro para lugar nenhum. Eu nunca trabalhei com off-shore. A gente deveria criar o prêmio fantasia do ano.

Marcos Valério também negou conhecer qualquer pessoa da Angola ou mesmo ter visitado o país.

¿ Nunca estive em Angola. Não conheço ninguém em Angola. Não participo de lavagem de dinheiro. Eu me surpreendo com as fantasias jornalísticas ¿ disse, irritado.

COLABOROU Thaís Pimentel