Título: BRASIL É RÉU EM TRIBUNAL DE DIREITOS HUMANOS
Autor: Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 14/11/2005, O País, p. 5

País será julgado pela Corte Interamericana da OEA pela primeira vez por morte de portador de deficiência no Ceará

BRASÍLIA. No dia 1º de outubro de 1999, Damião Ximenes Lopes, deficiente mental, foi internado numa clínica em Sobral, no interior do Ceará. Três dias depois, sua mãe, Albertina, foi à casa de repouso acreditando que o filho já poderia receber alta. Enganou-se. Informada de que não poderia ver Damião, Albertina entrou à força e o encontrou agonizando no chão, sangrando, com hematomas e outras marcas de violência. Ele morreu horas depois. O drama de Damião virou o primeiro processo contra o Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

O Brasil estará no banco dos réus no dia 30, na sede da corte, em San José, na Costa Rica. De um lado, estará a família de Damião, apoiada pela organização não-governamental Justiça Global, e, de outro, o governo brasileiro, com uma equipe de advogados de ministérios e da Advocacia Geral da União (AGU).

¿É duro ter que me pôr contra meu país num tribunal¿

O Brasil é acusado de cometer violações contra os direitos humanos por não ter garantido a integridade física e evitado a morte de Damião. A clínica onde ele morreu, a Casa de Repouso Guararapes, que está fechada, era conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS). A família quer que o governo assuma a responsabilidade pela morte de Damião, investigue e puna os responsáveis, garanta a não repetição de maus-tratos a portadores de deficiências mentais e pague uma reparação econômica aos familiares.

O governo já havia sofrido uma derrota no caso na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, uma instância inferior à corte, mas não cumpriu as recomendações feitas em 2002. Por isso, a comissão decidiu recorrer à Corte Interamericana.

A contadora Irene Ximenes, irmã de Damião, vai representar a família. Ela vive em Ipueiras, a 350 quilômetros de Fortaleza. Irene disse que a família está apreensiva e passando por momentos difíceis nesses dias que antecedem ao julgamento do caso de Damião.

¿ É duro ter que me pôr contra o meu país, num tribunal internacional, porque ele nos negou justiça. Mas vamos até o fim porque é um direito nosso ¿ afirmou.

João Alfredo: ¿Nunca vi tanta desumanidade¿

A defesa do governo brasileiro é elaborada pela AGU com os ministérios da Saúde e das Relações Exteriores e a assessoria internacional da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Uma derrota irá significar um constrangimento pelo fato de o Estado não cumprir a Convenção Americana dos Direitos Humanos, da qual o país é signatário.

O subsecretário de Direitos Humanos do governo Lula, Mário Mamede, adiantou que o Brasil vai dizer que o país está mudando o tratamento psiquiátrico, substituindo o modelo de exclusão da internação por processos alternativos.

¿ Claro que o ideal é o que o Estado, o país, a sociedades e as instituições funcionem de maneira que se evitem violações a direitos humanos e os casos cheguem a tribunais internacionais. Essa é a utopia desejada ¿ disse Mamede.

O deputado João Alfredo (PSOL-CE) será testemunha de acusação no processo. Na época da morte de Damião, Alfredo era deputado estadual, pelo PT, e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa. Ele acompanhou o caso. O deputado acompanhou a visita à clínica.

¿ Nunca vi tanta desumanidade no tratamento de doentes mentais. Muita sujeira, pacientes sem roupas e as piores condições de saúde e higiene. O que houve ali foi, no mínimo, um homicídio doloso ¿ disse João Alfredo.