Título: Ganho imediato, risco no futuro
Autor: Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 10/11/2004, Economia, p. 21

A contínua valorização do euro em relação ao dólar ¿ que se acentuou nas últimas semanas, com a reeleição do presidente americano George W. Bush ¿ pode, a curto prazo, ser um alívio para as exportações brasileiras. Esta semana, o euro bateu o recorde histórico de US$ 1,2985. O real também está ganhando terreno frente ao dólar, mas a um ritmo bem menos intenso. Como a União Européia (UE) é o nosso principal parceiro comercial (responsável por 24% das vendas externas brasileiras, contra 20% que vão para os EUA), o Brasil, por enquanto, está no lucro.

¿ Havia o temor de que a apreciação do real, com o dólar perto de R$ 2,80, prejudicasse nossas exportações. Mas a alta do euro anulou esse efeito, já que nossos produtos estão mais baratos no mercado europeu ¿ explica Sandra Utsumi, economista do BES Investimentos.

No fim de setembro, um euro custava R$ 3,56. Ontem, estava em R$ 3,65. Pelos cálculos da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), os produtos brasileiros têm hoje uma participação de 2,20% no mercado europeu, contra 1,53% há dois anos.

Esse vaivém nas principais moedas internacionais, que até agora tem ajudado as exportações do Brasil, pode se tornar um problema mundial no futuro. Com a vitória de Bush e sua promessa de mais cortes de impostos, os analistas vêem o risco de que a lenta trajetória de queda do dólar iniciada em 2002 ¿ desde então, a moeda caiu 30% frente ao euro ¿ se transforme numa desvalorização abrupta. As conseqüências disso seriam uma forte recessão nos EUA e, por tabela, uma retração global.

Por trás da queda do dólar, estão os chamados déficits gêmeos da economia americana: resultados negativos nas contas fiscais (arrecadação menos gastos públicos) e nas transações correntes (trocas de bens, serviços e recursos com o exterior). O déficit fiscal está em 4,9% do PIB e, com a vitória de Bush, não há nenhuma perspectiva de ajuste a curto prazo. O déficit em conta corrente é de 5,4% do PIB. Somados, os déficits gêmeos superam 10% do PIB americano, ou mais de US$ 1 trilhão.

¿ O ajuste fiscal depende de uma decisão de governo, mas o ajuste em conta corrente pode ser feito à revelia pelo mercado financeiro. Isso já começou com a queda do dólar ¿ diz Fernando Ribeiro, economista da Funcex.

Com o dólar valendo menos, fica mais caro para os americanos comprarem produtos importados e, assim, a tendência é a redução no déficit em conta corrente. O risco é que esse ajuste, até agora suave, se acentue de forma incontrolável. Uma queda brusca do dólar poderia forçar os EUA a subirem fortemente suas taxas de juros, para segurar os investimentos estrangeiros que financiam seu déficit fiscal.

Hoje, o banco central americano deve elevar para 2% ao ano a taxa básica de juros nos EUA. Mas o temor é de uma alta bem mais intensa no futuro. Afinal, os investidores estão cada vez mais arredios justamente por causa do déficit fiscal que não pára de crescer. Carlos Langoni, do Centro de Economia Mundial da FGV, chama a atenção para o fato de que, nas últimas semanas, o dólar tem caído também em relação às moedas asiáticas. Ele lembra que os países da Ásia estão começando a reduzir os ativos em dólar nas suas reservas internacionais, num indício de que não estão mais tão dispostos a financiar o déficit fiscal americano.