Título: MENSAGEM FRANCESA NA FUMAÇA DOS CARROS
Autor: Debora Berlinck
Fonte: O Globo, 14/11/2005, O Mundo, p. 16
Na última vez que a França teve uma revolta social no nível da de hoje ¿ os protestos estudantis de 1968 ¿ o símbolo da rebelião foram as pedras do calçamento, que manifestantes arrancavam para atirar contra policiais protegidos em trincheiras. Desta vez, foi o carro incendiado, ardendo como peça de carne flambada ou queimando em fogo baixo, como cigarros mal apagados. Mais de sete mil veículos foram incendiados desde que a revolta começou nos subúrbios de Paris em 27 de outubro.
Nenhum outro país da Europa imola carros com o gosto e a eficiência franceses. Mesmo durante períodos tranqüilos, uma média de 80 veículos são queimados por dia no país.
¿ Queimar carros é tipicamente francês ¿ disse Michel Wieviorka, sociólogo que estudou o fenômeno. ¿ As últimas semanas foram incomuns, mas este tipo de coisa é mais comum do que se pensa ¿ afirma.
A prática, diz, tem origem nos anos 70, quando os subúrbios começaram a fervilhar. Carros estacionados se tornaram alvo convidativo para gangues de jovens que guardavam rancor e estavam famintos por atenção.
¿ É muito fácil e espetacular ¿ disse Wieviorka. ¿ Coloque fogo e o mundo inteiro olha para você. Chama a atenção da mídia e, quando a mídia chega, os políticos vêm atrás.
Apesar de ser difícil apontar o incidente que iniciou a prática, a cidade onde ela se tornou um esporte urbano em primeiro lugar foi Estrasburgo, a capital da Alsácia e sede do Parlamento Europeu. Desde os anos 80, as gangues de lá marcam a comemoração de ano novo pela caça a carros, com isqueiros e latas de gasolina.
Mas destruir carros é mais que um simples um ato para deteriorar propriedade ou exigir atenção. Os carros oferecem ¿ e simbolizam ¿ mobilidade, diz Wieviorka, algo que os moradores destas regiões não têm na sociedade francesa.
¿ Não há, nestes bairros, os carros mais bonitos do mercado ¿ assinalou Anne Morrier, porta-voz da federação de seguradoras da França.