Título: OS CUSTOS DA REVOLTA
Autor: Debora Berlinck
Fonte: O Globo, 14/11/2005, O Mundo, p. 16

Acalma, ainda que frágil, voltou ontem à periferia das cidades da França, apesar de confrontos em Lyon, no sábado, e em Toulouse, ontem. Depois de 18 dias de revolta e violência de jovens nos subúrbios, o país começa a contabilizar o prejuízo dos estragos: são 200 milhões de euros (R$510 milhões) até agora, segundo a Sociedade Francesa de Empresas de Seguro. A maior parte ¿ 180 milhões de euros (R$460 milhões) ¿ veio da destruição de centenas de depósitos, lojas, escolas e ginásios esportivos. Os quase 8 mil carros incendiados representaram perda bem menor: 20 milhões de euros (R$50 milhões).

A maior conta, entretanto, é política e será paga pelo presidente francês, Jacques Chirac. Uma pesquisa feita por um dos mais importantes institutos do país ¿ o Ifop ¿ colocou Chirac e o líder da extrema-direita, Jean-Marie Le Pen, quase em pé de igualdade. Apenas 29% dos franceses acham que o presidente tem como resolver a crise, contra 24% de Le Pen. Quem a sondagem apontou como o mais capaz, ironicamente, foi o ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, com 53%. Ele é o maior rival político de Chirac dentro do partido do governo e o político mais detestado pelos jovens da periferia. Sábado, ele foi vaiado por populares em Paris.

Sarkozy ajudou a agravar a crise com uma série de declarações desastradas, como quando chamou os manifestantes de ¿escória da periferia.¿ Muitos saíram às ruas exigindo que ele se retratasse, mas Sarkozy insistiu que não poderia tratar de outra forma quem instiga a violência, queima escolas e bens públicos.

Sarkozy continua sendo o político mais popular do país e é hoje o candidato com maior chance de chegar à Presidência. Durante toda a crise, ele apostou num discurso sem meias palavras, sua marca registrada. Pelo resultado da pesquisa, parece ter acertado novamente. Muito próximo a ele na sondagem está o premier Dominique de Villepin, ligado a Chirac: 52% das pessoas disseram que confiam nele para resolver o problema. Em terceiro lugar ficou o socialista Jack Lang.

Em Paris, o fim de semana foi marcado por uma grande presença policial, mas não houve incidentes.

¿ Minha cunhada ligou de Madri preocupada com os incidentes. Expliquei que no centro de Paris era como se nada estivesse acontecendo. Aqui está mais calmo do que em Madri ¿ contou a portuguesa Eulia dos Santos, porteira de um prédio no bairro chique de Saint-Germain des Près.

Bélgica tem dia mais violento

Brahimi, um comerciante francês da segunda geração de imigrantes argelinos, disse que foi a bares no sábado e se divertiu sem problemas ¿na mais bela cidade do mundo.¿ Mas ele, que na infância viveu na periferia, disse que não se surpreende com a revolta nos bairros pobres do país:

¿ Tem um ditado que afirma: quem semeia vento, colhe tempestade. Isso é resultado de muitos erros de políticas públicas ¿ disse.

Na noite de sábado para domingo, carros continuaram sendo incendiados, mas em número menor: 374 carros, contra 1.400 da semana anterior.

Ao longo do fim de semana, houve problemas no sul da França, principalmente em Lyon. Por causa disso, a polícia, que já decretara um toque de recolher para menores de idade na cidade, ontem proibiu aglomerações.

O presidente da Comissão Européia, João Manuel Durão Barroso, ofereceu ontem 50 milhões de euros (R$127 milhões) ao governo francês, recomendando que o dinheiro fosse investido na criação de empregos.

A revolta ameaça se espalhar também pela Bélgica, apesar de as autoridades minimizarem este risco. Na noite de ontem, 29 carros foram queimados, a maioria deles em Bruxelas. Na Holanda também houve seis veículos incendiados.