Título: Chances reduzidas para Arafat
Autor: Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 10/11/2004, O Mundo, p. 30

Opresidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Yasser Arafat, continuava ontem à noite em estado de coma profundo, depois de uma piora em sua saúde na noite de segunda-feita. Mas estava vivo, como se este fosse o seu último combate. Sua morte foi anunciada e desmentida várias vezes ontem. Embora a palavra morte tenha sido evitada nas declarações oficiais, os homens de Arafat já o enterraram:

¿ Para nós, ele expirou (como o prazo de validade de um remédio) ¿ disse ao GLOBO um alto funcionário da ANP, na condição de não ser identificado.

Os quatro homens que já assumiram, de fato, o controle da Palestina ¿ entre eles, o número dois da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Mahmoud Abbas, e o primeiro-ministro da ANP, Ahmed Qorei ¿ desembarcaram em Paris e passaram duas horas e meia no hospital militar de Percy, onde o líder está internado. Quiseram constatar com seus próprios olhos a gravidade do caso. Do lado de fora, um batalhão de repórteres do mundo inteiro, palestinos e árabes radicados na França enfrentavam um frio de três graus à espera do anúncio da morte.

Dia de anúncios contraditórios

Devido ao delicado estado do paciente, só uma autoridade palestina pôde ver Arafat: Qorei. A visita ao líder estava cercada de tensão até a manhã de ontem, depois de a mulher de Arafat ter acusado, segunda-feira, os dirigentes palestinos de quererem ¿enterrar o presidente ainda vivo¿ para usurpar o poder. Suha, de 41 anos, está casada há 13 anos com Arafat e é mãe de sua única filha, Zahwa, de 9. Mas se analistas acreditavam que ela tivesse tomado a atitude na esperança de conquistar o apoio dos palestinos, o resultado foi o inverso e a popularidade dos dirigentes aumentou.

Além de Abbas e Qorei, vieram a Paris o ministro das Relações Exteriores, Nabil Sha¿ath, e o presidente do Parlamento, Raouhi Fattouh.

O dia, no entanto, foi marcado por uma batalha de anúncios contraditórios. Primeiramente uma fonte palestina disse que Arafat não estava morto, mas que suas horas estavam contadas. Mais tarde, Sha¿ath garantiu que estava vivo, apesar de ¿muito doente¿. Segundo ele, sua vida estava ¿nas mãos de Deus¿ e dos médicos:

¿ Seu cérebro, seu coração e seus pulmões ainda estão funcionando e ele está vivo. Não vejo qualquer razão para espalhar rumores precipitando sua morte.

Sha¿ath, sem ser perguntado, descartou categoricamente a possibilidade de a vida de Arafat estar sendo mantida apenas por aparelhos e que a decisão de desligá-los seria iminente.

¿ Quero descartar qualquer possibilidade de eutanásia. As pessoas estão falando como se sua vida estivesse dependendo de aparelhos ligados ou desligados. Isto é totalmente ridículo. Nós, muçulmanos, não aceitamos a eutanásia.

Sha¿ath explicou que esta atitude só é tomada quando há dor ou um longo período de coma, e que nenhum dos casos se aplicava à situação de Arafat, sedado desde quarta-feira. Afirmou também que os médicos garantiram que o líder não sofre de câncer ou envenenamento, embora não houvesse ainda diagnóstico. Segundo ele, é possível que o confinamento de Arafat em seu QG em Ramallah e a falta de condições higiênicas lá tenham provocado uma reação de seu organismo. Israel mantinha Arafat preso no prédio há mais de dois anos e meio.

Enquanto os quatro dirigentes saíam do hospital para um encontro com o presidente francês, Jacques Chirac, um ministro palestino disse em Ramallah ¿ sob a condição do anonimato ¿ que Arafat estava morto, vítima de uma hemorragia cerebral ocorrida na noite de segunda-feira:

¿ A questão é saber como e quando vamos anunciar. Mas está morto, isto é certo.

A agência de notícias Reuters disse que cinco autoridades palestinas haviam confirmado a morte do líder.

¿ Ele está morto. Morreu depois de uma hemorragia no cérebro ter começado na noite passada (segunda-feira). Seus seguranças começaram a se abraçar e se beijar e a dizer uns para os outros que era preciso ser forte.

Mas logo depois veio uma série de desmentidos. Às 15h30m, o hospital anunciou que Arafat não estava morto. À saída do encontro com Chirac, Abbas frisou que ele estava vivo.

Líder islâmico vai para hospital

Num indício de que a morte do líder é esperada para logo, o presidente do Tribunal Islâmico da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, o imã Taissir Dayut Tamimi, deixou os territórios ocupados em direção a Paris:

¿ Estou indo para Paris para estar próximo ao presidente Arafat nesta hora crucial ¿ disse.

Uma reunião de emergência da Coalizão das Forças Nacionais e Islâmicas, que congrega movimentos seculares, como a Fatah e a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), e religiosos, como Hamas e Jihad Islâmica, foi realizada ontem.

¿ Examinamos as medidas a tomar quando do anúncio oficial do falecimento do presidente Arafat ¿ disse Khaled al-Batch, um dos dirigentes da Jihad Islâmica.

O chefe do Estado-Maior das Forças Armadas de Israel, Moshe Ya¿alon, disse ontem que o país está pronto:

¿ Estamos militarmente preparados para o dia seguinte a Arafat.

Em mais um indício de que as autoridades israelenses esperam o anúncio da morte de Arafat para breve, o líder do Partido Trabalhista, Shimon Peres, disse numa reunião do partido que Abbas e Qorei são interlocutores que Israel deve aceitar para o diálogo de paz, pois ¿são contrários ao terrorismo.¿ Com agências internacionais