Título: Angola: CPI quer apurar remessas de dinheiro
Autor: Jaílton de Carvalho/Alan Gripp
Fonte: O Globo, 15/11/2005, O País, p. 8

Comissão também vai investigar negócios do empresário brasileiro José Roberto Colnaghi naquele país africano

BRASÍLIA. O sub-relator de Movimentação Financeira da CPI dos Correios, deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), pedirá amanhã ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e ao Banco Central informações sobre remessas de dinheiro de empresas e pessoas do Brasil para Angola. Para o deputado, esse é o ponto de partida para a investigação da Conexão Angola, o conjunto de remessas do Trade Link Bank, uma off-shore com sede nas Ilhas Cayman, para o ministro das Finanças de Angola, José Pedro de Morais Júnior, e para o presidente do Banco Nacional (o Banco Central angolano), Amadeu de Jesus Castelhano Maurício, dois dos principais auxiliares do presidente José Eduardo dos Santos.

Pelos registros da movimentação financeira do Trade Link, a off-shore enviou US$2,6 milhões para Pedro Morais de janeiro de 2003 até o início do ano. Os papéis mostram uma remessa de US$176 mil do Trade para Castelhano. As transferências eram feitas de contas do Trade Link nos bancos Standard e Wachovia, nos Estados Unidos, para contas de Morais e Castelhano em Portugal e nos EUA.

- Mais do que nunca a cooperação das autoridades americanas é importante. Precisamos da quebra do sigilo bancário do Trade Link nos Estados Unidos - disse Fruet.

A CPI dos Bingos vai investigar os negócios do empresário José Roberto Colnaghi em Angola. Dono de um avião que transportou o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, na campanha presidencial de 2002, Colnaghi figura na lista dos maiores exportadores para o país africano. Em São Paulo, uma de suas empresas, a Asperbras Nordeste Irrigação Ltda, em Penápolis, lidera o ranking. Em 2004 e 2005, seus negócios em Angola superaram R$50 milhões.

Crédito do BNDES para investimentos em Angola

O empresário virou personagem da crise depois da denúncia de que um avião Sêneca de sua propriedade transportou caixas de uísque de Brasília para São Paulo, supostamente contendo de US$1,4 milhão a US$3 milhões vindos de Cuba para a campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002.

A comissão quer saber se os negócios de Colnaghi foram fechados com ajuda de autoridades brasileiras. A partir de 2003, quando Lula foi a Angola, o BNDES abriu linhas de crédito para empresas nacionais investirem no país, em processo de reconstrução após a guerra civil.

Além da Asperbras Nordeste, têm negócios com Angola a Asperbras Bahia Ltda e a Asperbras Importação e Exportação Ltda, também de Colnaghi. Os negócios estão registrados no site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. No início de 2004, Colnaghi deixou clara a proximidade com autoridades angolanas, ao receber o ministro de Obras e Infra-Estrutura de Angola, Higino Carneiro, para um jantar.

Em agosto de 2003, Colnaghi foi a Angola atrás de novos negócios. Retornou num vôo com o advogado Rogério Buratti, pivô das denúncias contra Palocci. Buratti teria revelado informalmente ao Ministério Público, semana passada, que Palocci interferiu em favor de Colnaghi.

Porta-voz diz 'desconhecer assunto'

Governo de Angola não comenta remessas da Trade Link para ministro

BRASÍLIA. O porta-voz da Presidência da República de Angola, Almiro da Conceição, afirmou ontem que não fará comentários sobre as remessas do Trade Link Bank, uma offshore com sede nas Ilhas Cayman, para o ministro das Finanças, José Pedro Morais, e para o presidente do Banco Nacional, Amadeu de Jesus Castelhano Maurício. Investigações sobre o valerioduto esbarraram em 21 transferências do Trade Link para contas em nome de Pedro Morais e Castelhano.

- O governo não foi notificado oficialmente. Nós desconhecemos esse assunto. Nunca ouvi falar dessa empresa (Trade Link) - disse o porta-voz.

Diante da insistência em pedir explicações das supostas relações do ministro com uma offshore investigada por lavagem de dinheiro, Almiro disse, irritado, que talvez tudo não passe de negócios privados e ele não teria obrigação de se manifestar.

- Podem ser negócios pessoais. Ninguém tem nada a ver com isso - afirmou.

Depois, tentou se corrigir, disse que "desconhece o assunto" e não faria comentários. Pedro Morais não atendeu o telefone em seu gabinete em Luanda e nem retornou as ligações. O assessor de imprensa do ministério, Bastos de Almeida, quis retificar declarações dadas ao GLOBO na sexta-feira, quando afirmou que administradores públicos ou privados têm direito a comissão de até 15% do valor dos negócios que ajudam a concretizar. Ontem, disse que os recursos relativos a essa comissão vão para as instituições e não para as contas pessoais de seus dirigentes.

Delúbio era da comitiva de Lula

BRASÍLIA. O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares foi um dos integrantes da comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que visitou em 2003 Angola e outros quatro países africanos. Mesmo sem ocupar cargo no governo, Delúbio tinha assento nas reuniões de trabalho das quais participavam os presidentes dos países visitados, Lula e ministros.

Numa das reuniões, em 7 de novembro, em Windhoek, capital da Namíbia, Delúbio foi flagrado sentado na mesa da delegação brasileira numa reunião com o governo local. O ex-tesoureiro, como todos os integrantes da comitiva, hospedou-se nos hotéis em que estavam o presidente Lula e os ministros brasileiros. Pagou do próprio bolso apenas despesas pessoais, como telefonemas e refeições. Sobre sua presença na comitiva, o ex-tesoureiro afirmou, na época, que não havia nada de errado e que a partir daquela viagem internacional o presidente Lula passaria a levar um dirigente do PT nas viagens internacionais.

Legenda da foto: GUSTAVO FRUET: ajuda das autoridades americanas para quebrar sigilo bancário do Trade Link nos EUA