Título: UM NOVO MODELO
Autor: ARMANDO STROZENBERG
Fonte: O Globo, 15/11/2005, Opiniao, p. 7

O calendário parlamentar foi mais rápido. Antes mesmo que tivéssemos tempo para pensar, ruminar e rever o papel da propaganda no cenário político brasileiro, à luz dos acontecimentos que abalaram a nação neste 2005, o referendo das armas veio afirmá-lo como instrumento imprescindível ao exercício da cidadania.

Entre o Sim, o Não e o Nulo, houve até quem dissesse que a campanha foi curta, que era preciso uma temporada maior para que a população fosse realmente informada, a fundo e em larga escala, sobre as razões das escolhas. Donde concluímos que, se para algo este referendo serviu, foi para sepultar, no nascedouro, propostas heterodoxas mais condizentes às matrizes autoritárias do que ao saudável ambiente da democracia.

Melhor assim, porque este debate está só começando. Afinal, a intempérie política que se abateu sobre o país acertou em cheio a propaganda brasileira. Devassados os subterrâneos das campanhas eleitorais, a propaganda despontou no pódio das CPIs como uma das vilãs de uma engenharia financeira historicamente enraizada no modelo político brasileiro.

Nesta ebulição, à publicidade foi apresentada a conta da esperança que não se cumpriu. E se (quase) tudo é culpa da propaganda política, que se acabe com a propaganda política.

Esta, porém, é uma receita que o Brasil não aceita mais e o referendo serviu para nos mostrar isso de forma contundente. É evidente que não é a propaganda a responsável pela corrupção, a lavagem de dinheiro, o tráfico de influência e a evasão de divisas. Mas também é evidente que temos que repensar como assegurar, na escala da comunicação de massa, o direito à informação essencial ao exercício sagrado do voto, pilar da democracia.

O marketing político é uma atividade que no Brasil se estruturou à parte dos demais segmentos da propaganda, até por transitar no terreno pantanoso das verbas difusas. Nos seus primórdios, no período da redemocratização, as agências costumavam licenciar o profissional escalado para criar as campanhas políticas. Constituía-se um outro ambiente para a atividade, de tal modo, que propaganda comercial e marketing político formaram dois mundos.

É a partir de Collor que o negócio muda de patamar. Passa a movimentar verbas vultosas e ainda se beneficia de um calendário que prevê eleições ano sim e outro também. O marketing político se transformou no novo filão para a indústria da comunicação. Atraiu grandes talentos - jornalistas, publicitários (diretores de arte, redatores, produtores e diretores de comerciais), planejadores, pesquisadores, promoters, estilistas, cenógrafos, designers - e respeitáveis agências.

Por que as campanhas políticas são tão espetaculosas? Por que produzir cenários superlativos, contratar âncoras do showbizz a peso de ouro, inundar as ruas com brindes, reinventar a persona de candidatos? Por que não apenas promover debates de confronto programático nas emissoras de TV e rádio? Mas por que impedir que o candidato possa também se apresentar sozinho ao eleitorado na linguagem publicitária que considerar adequada para o diálogo direto?

O referendo das armas já nos ofereceu algumas respostas. Entre a campanha-espetáculo e o retrocesso democrático do que seria uma patética reprise da Lei Falcão, devemos pensar, sim, em um modelo que seja capaz de informar, provocar o debate, estimular mais e mais participação popular, de modo a consolidar o espaço político como bem indissociável da democracia.

Nós, publicitários, temos a obrigação de buscar com os demais atores sociais deste processo - políticos, juristas, empresários da comunicação e da pesquisa, cientistas sociais, jornalistas -- um novo modelo de propaganda política. Que não só dê conta de informar sem distorcer, como seja capaz de minar a mais pálida tentativa de bloqueio da informação e do padrão estético adotado, qualquer idéia de censura, retrocesso inaceitável.

A propaganda brasileira funciona em um sólido edifício, construído há 25 anos, o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar). É este instituto exemplar do exercício de uma ética constituída de princípios claros, permanentemente repactuados e atualizados, a nossa credencial. Neste debate, o Brasil disse Sim. Sim à propaganda como bem social e político do povo brasileiro.

ARMANDO STROZENBERG é publicitário.