Título: A cartada
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 15/11/2005, O País, p. 2
O presidente Lula e o ministro Palocci voltaram a se falar ontem, por telefone. Agora, todas as fichas estão apostadas no êxito do esforço que fará o ministro para restaurar a credibilidade e dissociar-se de antigos auxiliares na exposição do dia 22 à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Por isso, é bastante provável que ele não compareça amanhã à comissão especial da Câmara que analisa a emenda do Fundeb.
Seria uma espécie de descortesia com o Senado, com o que já foi combinado, o comparecimento à CAE como uma vacina para evitar sua convocação pela CPI dos Bingos, a que tudo pode. O adiamento da agenda desta quarta-feira deve ser negociado com a comissão do Fundeb, possivelmente pelo presidente da Casa, Aldo Rebelo.
No mercado entende-se que Lula demorou a sair em defesa de Palocci, depois da entrevista crítica da ministra Dilma Rousseff, e que mesmo a nota de sábado, reiterando sua permanência e a continuidade da política econômica, veio com atraso. Mas é certo que, se vacilou antes, Lula agora está jogando tudo para preservá-lo no cargo. Embora não se deva esperar dele qualquer reprimenda pública à ministra. O acerto de ponteiros ficará mesmo na conversa que tiveram a três na semana passada.
A CAE é uma das comissões mais influentes do Senado e tudo ali costuma acontecer sob uma aura de sobriedade que não existe nas CPIs, muito menos na dos Bingos, onde as inquirições têm sido duras, pontuadas até pelo escárnio diante da desfaçatez de alguns depoentes. Já se criou ali uma cultura de delegacia. Na CAE, Palocci pode enfrentar um ou outro oposicionista mais agressivo. O mais provável, entretanto, é que tenha condições de fazer uma exposição serena, que ouça perguntas pertinentes e seja tratado com a reverência devida ao cargo. Saindo-se ileso, terá condições de ficar, ainda que com uma trinca no cristal da imagem. Mas se levar chumbo grosso e sair chamuscado, pelo que se ouve de auxiliares, é pouco provável que vá sujeitar-se a depor na CPI dos Bingos. Um ministro da Fazenda sentado naquele banco seria uma situação desconfortável para o próprio, nociva para o governo e talvez danosa para economia - por mais que ela tenha resistido ao furacão político.
Fala-se numa exposição de Palocci ao plenário do Senado. É pouco provável que isso seja acertado. O último ministro que aceitou prestar contas ao plenário ouviu ali um repto do senador Pedro Simon para que se demitisse. E o fez logo a seguir. Foi Mendonça de Barros, no governo FH, depois do escândalo das fitas do BNDES sobre a privatização das telefônicas. O plenário tem uma solenidade própria, que confere alta gravidade a tudo o que ocorre ali. É assim em qualquer Parlamento.
Até lá, vai se continuar falando de Palocci. Serão dias sensíveis para o mercado. Ontem mesmo os indicadores se moveram, ainda que ligeiramente. E os discursos continuarão desencontrados. No PT, alguns rojões de fogo amigo. Agora foram as cobranças do senador Suplicy. E na oposição, discursos heterogêneos. Ontem, tivemos o líder da minoria, José Carlos Aleluia, do PFL, dizendo que há uma conspiração para desestabilizar o ministro, mas vinda do PT, e não da oposição. Em outra linha, o senador tucano Antero Paes de Barros pedia a cabeça do ministro, afirmando ter ele perdido as condições morais para continuar no cargo.