Título: CUSTO PARA PROMOVER IGUALDADE RACIAL É R$67,2 BI
Autor: Ciça Guedes
Fonte: O Globo, 16/11/2005, O País, p. 9

Estudo mostra o valor do investimento para equiparar negros a brancos em educação, saneamento e habitação

Um estudo sobre as diferenças de acesso às políticas públicas entre negros e brancos no Brasil estima, pela primeira vez no país, quanto seria necessário que o governo investisse para equiparar a situação das duas populações em relação a educação, habitação e saneamento. A conta da discriminação, de acordo com o economista Mário Theodoro ¿ que coordenou a pesquisa feita pelo jornal Irohin, publicação ligada ao movimento negro ¿ é de R$67,2 bilhões. O valor é quatro vezes maior que os R$15,3 bilhões disponíveis para investimentos do governo neste ano.

¿ Nosso trabalho pretende estabelecer um referencial para mostrar o tamanho da desigualdade. É muito dinheiro? Certamente, mas é compatível com o tamanho do problema ¿ diz Theodoro.

O estudo foi feito com base nos dados do IBGE, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) e do Censo Demográfico de 2000. Segundo o economista, as informações foram separadas por raça e foram comparados os índices relativos a negros (pretos e pardos) e brancos. A diferença entre um e outro foi multiplicada pelo custo estabelecido pelo governo em cada uma das áreas.

Impactos da desigualdade elevam o valor estimado

No caso da educação, área em que o custo para acabar com a desigualdade foi estimado em R$22,2 bilhões, a taxa de analfabetismo de adultos entre os brancos é de 7,5% e entre os negros, 17,2%. O número de indivíduos correspondente à diferença entre os dois índices foi multiplicado pelo custo de alfabetização de um ano. Na educação, os valores referem-se aos custos anuais. Nas duas outras áreas, saneamento e habitação, o cálculo refere-se ao estoque de carências que deveria ser suprido para equiparar a situação de negros e brancos.

Para a historiadora Wania Sant¿Anna, o valor pode ser maior se forem levadas em conta as conseqüências da falta de investimento em saneamento e habitação para a população pobre, cuja maioria é de negros:

¿ O impacto do consumo de água contaminada na mortalidade infantil desse grupo não é considerada no estudo, nem o impacto da falta de saneamento na expectativa de vida. Assim como não é considerado o baixo rendimento escolar agravado pela ausência de boas condições de habitabilidade.

Para Mário Theodoro, em vez de comparar com o valor que o governo está destinando este ano a investimentos, os R$67,2 bilhões devem ser comparados ao que foi acumulado na formação do superávit fiscal.

¿ O Estado tem que rever as prioridades. O valor que estimamos para acabar com a desigualdade corresponde a 78% do superávit fiscal acumulado de janeiro a setembro deste ano, de cerca de R$85 bilhões ¿ diz o economista, alertando que o objetivo do estudo não é pedir investimentos apenas para negros, mas sim contribuir para o planejamento das políticas públicas.

Para a área de habitação, o estudo do Irohin estima que sejam necessários R$37,4 bilhões, considerando que o déficit habitacional para as famílias com renda de até cinco salários-mínimos é de 6,5 milhões de moradias no total, sendo 4,2 milhões entre negros e 2,3 milhões entre brancos. O custo unitário de moradia de qualidade é de R$20 mil. Para o saneamento, o valor estimado é de R$7,6 bilhões: das 3,4 milhões de moradias sem esgotamento sanitário adequado (15 milhões de famílias), 2,1 milhões são de lares cujo chefe de família se declarou negro (preto ou pardo), e 1,3 milhão, de brancos. Os domicílios sem água potável são 9,6 milhões (60 milhões de famílias), sendo 7,3 milhões de negros e 2,3 milhões de brancos. O custo médio estimado para acesso a água potável por domicílio é de R$1.200 e a esgotamento sanitário adequado, R$2 mil.

Se somados os recursos do FGTS, o governo dispõe de R$10 bilhões para o saneamento.