Título: Hora decisiva
Autor: Míriam Leitao
Fonte: O Globo, 16/11/2005, Economia, p. 18

Comparado com o momento em que o ministro Antonio Palocci assumiu a pasta da Fazenda, o Brasil tem hoje mais que o dobro de reservas cambiais, um superávit comercial três vezes maior, exporta US$40 bilhões a mais, tem uma dívida pública líquida dez pontos percentuais do PIB menor, tem menos da metade da inflação do que tinha naquela época e tem melhorado o nível de emprego.

Palocci assumiu o cargo com a inflação subindo. Havia terminado 2002 com 12%, não por erros do governo anterior, mas por erros do discurso do PT, que sempre demonstrou acreditar que ¿um pouco mais de inflação¿ é algo inofensivo e até desejável, porque garantiria desenvolvimento. Essa idéia tonta inspira ainda hoje muita gente dentro do governo, que gosta de se definir como ¿desenvolvimentista¿. É um espanto que, depois do fracasso da idéia de que inflação seja combustível para o crescimento, ainda se defenda tal sandice. Nos primeiros meses do governo Lula, a inflação chegou a 17%.

Foi com paciência, persistência e firmeza que o ministro Palocci desarmou essa bomba que poderia nos levar a ter que retomar a velha luta contra a inflação de dois dígitos, a mesma que hoje assusta a Argentina. De um lado respeitou o BC, mesmo quando discordou; de outro segurou os inúmeros radicais do PT que preferiam métodos mais rudimentares e fracassados no passado no controle da inflação.

Há quem no governo pense que o presidente Lula pode ainda comandar, a partir de hoje, uma operação resgate para manter o ministro Antonio Palocci no cargo. O presidente demonstra que lavou as mãos e aguarda que Palocci se salve fazendo um bom pronunciamento hoje. O mais provável é que ele acabe fulminado, mais dia, menos dia, pela soma dos dois fogos: as denúncias envolvendo seus ex-auxiliares na prefeitura de Ribeirão Preto e o bombardeio interno contra a política econômica. O que será a economia depois de Palocci?

Nada acontecerá a curto prazo, o que dará a falsa impressão de que a economia está blindada contra os erros políticos. A inflação nesse momento está sob controle, apesar da inesperada alta do índice de outubro; o PIB terá um resultado positivo apesar de a perspectiva ter piorado um pouco mais, após a queda da política industrial de outubro. Os bons números não vão desaparecer de um momento para o outro. Pelo contrário: a economia caiu no terceiro trimestre, mas a previsão é que no quarto trimestre haverá recuperação do nível de atividade.

O que os analistas estão prevendo é que a inflação terminará o ano em 5,5%, mais do que o centro da meta de 5,1%. Que o crescimento ficará abaixo de 3,5%, mas acima de 3%. O superávit primário continuará no ano que vem em 4,25% seja qual for o ministro porque a LDO já aprovada prevê isso. Alguns parâmetros não podem ser mudados, alguns bons números conseguidos não serão revogados, mas o último ano do governo pode trazer uma série de aumentos de gastos correntes que comprometerão as contas nos próximos anos e vão sepultar a idéia de reduzir a carga tributária.

Se o ministro Palocci sair, não haverá qualquer colapso na economia. O perigo não é iminente, mas dependendo de quem for o escolhido o preço a ser pago, por qualquer irresponsabilidade, vai acabar caindo sobre o próximo presidente. Qualquer sinal de condescendência com a inflação pode elevá-la já no próximo ano. Por enquanto a previsão é de uma inflação próxima da meta de 4,5% para 2006. Mas se vigorar a tese de que ¿um pouquinho mais de inflação¿ não faz mal, o quadro pode mudar.

No exterior, o entusiasmo com o Brasil continua de lado a lado do planeta, segundo conta o secretário do Tesouro Joaquim Levy. Na semana passada estava na Ásia. Ontem ele estava em Nova York visitando as agências de rating com os bons números brasileiros. As agências, como se sabe, apesar dos bons números macroeconômicos brasileiros, têm mantido a péssima avaliação de risco do Brasil com ligeiras alterações de sinal.

Ele nega que esteja de malas prontas para ir para o BID. Segundo Joaquim Levy, a proposta de assumir um cargo no BID foi feita de fato, mas a decisão final será tomada no Brasil junto com sua família. Ele nega que pense em deixar o cargo no momento, e que tenha marcado a data de 1º de dezembro para sair. Não quis fazer nenhuma especulação sobre a permanência ou não do ministro Palocci. No aeroporto de Washington indo para Nova York onde o alcancei por telefone, Levy disse que tem falado com o ministro Palocci e que ele demonstra, no trato com as questões do ministério, a tranqüilidade de sempre. Outras fontes do governo não escondem que hoje é o dia decisivo para Palocci. E de certa forma do governo Lula. O presidente, que preferiu a tibieza de uma nota no sábado para defender seu ministro dos ataques do fogo amigo, ficará muito mais fraco e vulnerável sem Palocci.

A palavra incipiente está cada vez mais perigosa. Primeiro, ela fugiu à ministra Dilma Rousseff e ela teve que usar outra mais rudimentar e deu no que deu. Na coluna de ontem eu a escrevi corretamente com C, como na palavra latina original incipere (começar), mas, em algum momento do processo de produção do jornal, a letra C virou S e assim, incorreta, a palavra foi impressa. Como meus leitores não perdoam deslizes, já estou aqui com meu hábeas-corpus preventivo.