Título: PORÃO DOS HORRORES NO IRAQUE
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Fonte: O Globo, 16/11/2005, O Mundo, p. 23
Descobertos 173 presos subnutridos e com marcas de tortura em prédio do governo de Bagdá
BAGDÁ
Forças americanas encontraram 173 prisioneiros iraquianos trancados no porão de um prédio do Ministério do Interior, em Bagdá. Muitos deles haviam sido espancados, tinham sinais de tortura e estavam subnutridos. A descoberta que chocou o país e pôs em xeque o governo do primeiro-ministro Ibrahim al-Jaafari aconteceu domingo, mas só foi revelada ontem por autoridades iraquianas, que anunciaram uma investigação.
Os prisioneiros foram encontrados durante uma operação em que militares americanos procuravam um adolescente de 15 anos desaparecido. Eles estavam numa cela subterrânea num prédio no distrito de Jaririya, no centro de Bagdá. Muitos deles tinham sintomas de fome extrema e marcas de espancamento.
O vice-ministro do Interior, Hussein Kamal, afirmou que estava impressionado com as condições dos presos.
¿ Nunca tinha visto uma situação assim nos últimos dois anos em Bagdá. Esta é a pior. Vi sinais de abusos físicos e de espancamentos brutais. Um ou dois detentos estavam paralisados e alguns tinham a pele arrancada em várias partes de seus corpos. Este é um tratamento totalmente inaceitável.
O episódio fez lembrar o escândalo de abusos na prisão de Abu Ghraib, no ano passado, em que fotos mostravam soldados americanos torturando e humilhando sexualmente detentos, o que causou embaraço ao governo de George W. Bush e alimentou a insurgência no Iraque. Pelo menos oito militares americanos foram levados à Justiça. Desta vez, no entanto, a culpa recairia sobre autoridades iraquianas.
Sunitas denunciam prisões arbitrárias
Kamal disse que os iraquianos haviam sido presos sob acusações relacionadas a apoio à insurgência de sunitas contra o governo dominado por xiitas e curdos. Os detentos foram transferidos para outro local e estavam recebendo assistência médica, afirmou. Sem explicar por que eles estavam na cela subterrânea, o vice-ministro afirmou que um dos grandes problemas do governo é a falta de lugares para manter os detentos.
Sunitas ¿ que são minoria no Iraque e eram protegidos por Saddam Hussein ¿ têm acusado milícias ligadas ao Ministério do Interior e a partidos políticos xiitas de prendê-los sem acusações, o que o governo nega. A investigação dos maus-tratos será comandada por Kamal, que é curdo. Ele prometeu punição rigorosa para os responsáveis.
O presidente do maior partido político sunita do país, o Partido Islâmico do Iraque, disse que muitas denúncias sobre tortura em prisões iraquianas apresentadas ao governo têm sido rejeitadas.
¿ Pelo que sabemos, lamentavelmente, todos os presos (descobertos pelos EUA) eram sunitas. Para buscar um terrorista, eles detêm centenas de inocentes e os torturam brutalmente ¿ disse Mohsen Abdul-Hamid.
Há suspeitas de que o prédio do Ministério do Interior era usado como base da milícia Brigada Badr, que teria ligações com altos funcionários do governo. Militares americanos se disseram chocados com o que viram, contando que aparentemente alguns presos não se alimentavam bem há semanas.
O grupo de direitos humanos Anistia Internacional pediu uma investigação mais ampla, alegando que são muitas as denúncias de torturas de prisioneiros no Iraque.