Título: `A tomada do Estado¿ - Parte II
Autor: Arnaldo Jabor
Fonte: O Globo, 22/11/2005, Segundo Caderno, p. 10

PT e Lula farão de tudo para abrir os cofres para a reeleição

Lula topará tudo para ser reeleito. Sua garra é mais do que política ¿ é a salvação de sua imagem. Para vencer, ele usará todo o seu carisma de ¿messias¿ do povo, de operário em construção. Em 2006, Lula vai dizer que ¿nenhum governo foi tão investigado¿ sem resultados e sem provas. A pizza vai virar sua bandeira.

Trama-se uma segunda tentativa de tomar o Estado, já que o Jefferson estragou a primeira.

O espírito de José Dirceu continua no comando. Sob ele trabalham Dilma Roussef, mesmo negando, Buratti, obedecendo ordens subliminares ¿ tudo se faz para que Palocci perca o domínio. Aos poucos, seremos convencidos de que talvez possa rolar um coquetel de Dilma com Palocci. Em tese, até que poderia surgir um mix dos dois métodos, mas o perigo é o desacerto com duas cabeças criando um centauro, um camelo macroeconômico, dados o despreparo e a voracidade eleitoral dos petistas. Mesmo que as medidas comecem a dar chabu, mesmo que micos apareçam, o PT dirceuzista não se deterá. E Dilma já falou em inflação de 15 ou 20 por cento ao ano ¿ é assim que começa. Não conseguiram cortar gastos do Estado, nem fazer reformas e aí partiram para condenar o único remédio que funcionou. Para eles, tudo menos a derrota.

Para isso, Lula será apoiado por forças da fé e do oportunismo. Os desiludidos da militância vão dar a Lula uma segunda chance, outros acreditarão na ¿conspiração das elites¿, porque Lula é seu único Jesus. A fé é assim ¿ contra as evidências ela se reforça. A eles se juntarão intelectuais incorrigíveis (que andam calados e escaldados), com novas racionalizações para manter o PT no poder (teoria deles: ¿O PT desmoralizado ainda é um mal menor que o inimigo principal ¿ os tucanos neoliberais¿). Haverá uma maratona de oportunistas se Lula estiver bem nas pesquisas. E tudo será construído em cima da ignorância política dos pobres, nos grotões e outros buracos mais urbanos.

O PT terá chance de reeleição se conseguir camuflar o grande crime debaixo da capa preta dos pequenos crimes. E, no entanto, a profunda verdade só foi revelada até agora por Roberto Jefferson: os petistas ocuparam postos estratégicos no Estado para pilhá-lo em nome do povo. Jefferson, o tenor da verdade, foi o único cassado importante até agora. O resto, sabemos, foram desculpas esfarrapadas de ¿caixa 2¿ e ¿mensalões¿.

E agora, quanto mais se descobrem novas corrupções, as investigações vão perdendo a eficácia. O principal será escondido pelo secundário. A tática é assim: confessar uma meia verdade para esconder uma grande Mentira. No mês passado, Lula fingiu uma esperta ¿autocrítica¿: ¿Nós erramos por não termos dito desde o começo claramente: os companheiros pegaram dinheiro não contabilizado e não declararam. Era muito mais fácil de explicar para a sociedade¿. Além do ato falho (¿muito mais fácil¿ ), vejam a malandragem: confessa-se um pequeno ¿erro¿ (delito) para esconder os bilhões que foram desviados das estatais, de fundos de pensão, de arreglos com empresas como Interbrasil, Skymaster, Garanhuns, agências de publicidade etc.

E o mais grave é que, com tantas denúncias e escândalos se somando, podemos cair numa busca de ¿punição¿ que acaba ficando ¿conservadora¿, pois a idéia de punir pressupõe o ¿pecado¿, quando o que houve foi uma construção ideológica ¿revolucionária¿.

Assim, vamos perder a chance de entender e mudar as regras do jogo que permitiram tal cataclisma no país. Como escreveu outro dia Fernando Abrucio no ¿Valor¿: ¿Tal distorção se origina no ataque meramente às pessoas ou grupos políticos, quando o foco devia ser centrado nas raízes institucionais da corrupção¿.

Há, nos petistas e populistas da velha esquerda, a obsessão de desconstruir o caminho democrático que alcançamos depois da ditadura e do impeachment: democracia com república. Querem reverter o país ao tempo de um vago estatismo desenvolvimentista, de nostálgicos sonhos leninistas, de pálidas heranças janguistas. Não toleram o mundo real e até hoje ignoram a queda do muro de Berlim. Eles navegam sobre o autoritarismo salvacionista do país, entranhado na alma popular, para recuperar um projeto nacionalista, estatizante, utilizado pelo fisiologismo tradicional como sendo ¿progressista¿. Bons exemplos são: o programa psicótico que Carlos Lessa fez para o Garotinho e também, por exemplo, o rationale de intelectuais do populismo que apóiam o Quércia há anos, como se ele fosse uma prótese entre o JK e Ademar de Barros.

E muita gente boa ainda não entende a preciosa mudança que houve neste país, nos últimos 15 anos, provocada pelas mãos invisíveis da tecnologia, da globalização da economia, da estabilidade monetária e do fortalecimento da sociedade civil. Querem acabar com a sensatez que já existe. As engrenagens inconscientes estão se movendo. O velho Brasil quer voltar a seu formato original, renascendo como rabo de lagarto. E isso ajuda os demagogos e visionários, pois é um movimento estrutural além dos homens e dos discursos, é automático, quase físico.

O que preocupa não é a pizza, é a encrenca sem fim que virá depois. A pizza é bobagem, coisa menor. O trágico é a volta do labirinto do Atraso histórico.

E a volta a um tempo de zona geral trará a descrença na democracia, difícil de entender para os ignorantes. Nunca a decepção leva à busca de um biscoito mais ¿fino¿. O povo vai preferir o pior. Os erros de um governo popular criam desejos de populismo.

Se voltar a loucura de épocas nefastas como nos tempos de Jânio, Jango, Collor, Sarney, seremos arremessados a uma violenta marcha a ré. E, hoje em dia, num mundo complexo e incontrolável, nosso caos poderá ser irreversível.