Título: Palocci ganhao round
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 17/11/2005, O País, p. 2

A oposição fez do ministro Palocci sua bola da vez mas ontem mostrou que não se dispõe a ser responsabilizada por sua desestabilização. E o fez sobretudo ao apontar como problema central do ministro suas divergências com a ministra Dilma Rousseff e a uma suposta indefinição do presidente Lula sobre o ajuste fiscal de longo prazo. Deixando de fazer perguntas sobre as denúncias que atingem o ministro, guardou uma bala no tambor para convocá-lo a depor na CPI dos Bingos. O ataque continua mas este primeiro round, Palocci venceu.

É claro que com suas críticas públicas Dilma agravou a situação de um ministro já ferido por sucessivas denúncias. Mas foram elas, e não as críticas da colega, que o levaram a falar à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Antecipando o depoimento marcado para o dia 22, e tentando trocar a mesa da CPI pela da CAE, Palocci evitou sangrar por mais uma semana e frustrou a oposição. PFL e PSDB reagiram recusando-se a fazer perguntas sobre as denúncias. Mas ao abordar apenas as econômicas, deixou que Palocci nadasse de braçada nas águas que domina. Quem viu em casa a transmissão ao vivo poderá se perguntar por que diabos a oposição evitou falar das denúncias, tendo o próprio Palocci astutamente abordado todas elas na fala inicial. Negou categoricamente que tenha entrado dinheiro de Cuba, das Farc ou de Angola na campanha do presidente Lula e que tenha havido caixinha eleitoral para o PT em sua gestão na Prefeitura de Ribeirão Preto. "Eu não estou acima de qualquer suspeita", disse ao tocar nas denúncias. E criticou, embora com habilidade, o comportamento das autoridades estaduais paulistas nos processos investigativos, "com interesses políticos muito claros". Uma carapuça destinada sobretudo ao secretário de Segurança Pública de São Paulo, Saulo de Abreu, embora não o tenha citado. Tudo deve ser investigado e noticiado mas os ritos jurídicos e os direitos individuais devem ser respeitados, insistiu.

Rebatendo golpes, foi também para o contra-ataque a Dilma, dizendo que ela está errada na questão do ajuste de longo prazo. Esta mensagem foi para dentro do governo, para o PT e pode-se dizer, mesmo para o presidente Lula, já que alguns paloccistas suspeitam de que ele tenha pelo menos liberado a ministra para ir ao duelo.

Ao senador Arthur Virgílio, Palocci lançou com delicadeza um dardo flamejante, ao contestar suas declarações de que existem dois Paloccis, o ministro e o que foi prefeito. Na prefeitura, disse ter tido bons auxiliares e ter se decepcionado com alguns. Os tais que o estão denunciando. Repetiu que não iria atacá-los por compreender o contexto em que fizeram suas declarações. Este já foi um dos poucos pontos criticados na entrevista coletiva com que Palocci rebateu as primeiras denúncias, a indulgência com Buratti, e agora com Poleto também. Já no ministério, "não existe República de Ribeirão Preto". Não se cercou de amigos, mas de pessoas indicadas pela competência e pela experiência. E deu uma lista na qual figuram técnicos de carreiras e alguns egressos do governo passado. Mais tarde Virgílio diria que a atual equipe merece falar na CAE mas que o lugar dos ribeirão-pretanos é na CPI mesmo, onde Palocci também poderá ter que comparecer, para falar do passado.

Uma cortesia do ministro que bem funcionou para agradar a aliados e neutralizar adversários foi o reconhecimento de que os avanços da gestão pública no Brasil vêm de outros governos, num processo de amadurecimento continuado. E aí sobraram reconhecimentos para Sarney, Itamar e Fernando Henrique. Não para Collor.

A convocação à CPI deve ser aprovada na terça-feira, mas com data aberta, para ser marcada quando convier à oposição. Palocci admitiu comparecer, mas se isso acontecer, sua situação já deve ser outra. Ontem, entrou no Senado na defensiva, ouviu louvores e relaxou diante de uma oposição que evitou dar-lhe golpes mortais. Inclusive porque, assim como prefere um Lula ferido a um impeachment, parece preferir um Palocci fraco a outro ministro. Mas este é outro jogo, que não depende só da política, mas também da própria economia.

Hugo Chávez agora está querendo nova ajuda de Lula. Desta vez, para mediar seu conflito com o México. Com tantos problemas domésticos, talvez Lula não se disponha.

Um canal

Não existe a hipótese de Palocci sair, disse o presidente Lula num telefonema que trocou com o governador de Minas, Aécio Neves, ainda antes do início do depoimento do ministro. Com o qual ficaria satisfeitíssimo ao final. A conversa com Aécio foi administrativa mas, segundo o governador, falaram sobre a necessidade de desobstruir os canais políticos entre governo e oposição, hoje totalmente bloqueados pela crise.

Quanto a Palocci, Aécio adverte seus companheiros de oposição para os riscos de sua desestabilização.

- As denúncias precisam ser esclarecidas e o ministro dispôs-se ontem a colaborar, inclusive comparecendo à CPI. Agora, sou contra atacá-lo com rojões que podem ser fatais. Amanhã, se vier um ministro desastroso para a economia, seremos co-responsáveis. Lembremo-nos de que, pelo voto de alguns da oposição em Severino Cavalcanti, fomos depois acusados de ter garantido sua eleição.

Quanto ao conflito Dilma-Palocci, Lula não vai desautorizá-la mas deve agora dar demonstrações mais claras de apoio à posição do ministro da Fazenda.