Título: GRIPE: PANDEMIA PODE ATINGIR 18 MILHÕES DE BRASILEIROS
Autor: Roberta Jansen
Fonte: O Globo, 17/11/2005, O Mundo / Ciência e Vida, p. 36

No pior cenário traçado pelo governo, o Brasil teria 10% de sua população infectada e até 25 mil mortes

No pior cenário traçado pelo governo para uma eventual pandemia de gripe no Brasil, o país teria 10% de sua população infectada (cerca de 18 milhões de pessoas) e 25 mil mortes. Ao anunciar oficialmente ontem o plano de contingência para enfrentar a epidemia, o governo informou ainda que se prepara para produzir um estoque estratégico de vacina contra o vírus H5N1 e negocia a possibilidade de transferência de tecnologia para a fabricação local do antiviral Tamiflu.

Como parte do Plano de Contingência do Brasil para o Enfrentamento de uma Pandemia de Influenza, os técnicos do governo traçaram cenários para a disseminação da doença. Segundo o ministro da Saúde, Saraiva Felipe, tais cenários incluem a infecção de 2% a 10% da população. Os especialistas estimam que metade dos doentes precisaria de atendimento ambulatorial, que haveria pelo menos 550 mil internações e até 25 mil mortes.

- Claro que o número de mortos depende muito da capacidade de transmissão e letalidade do vírus - ressaltou o ministro. - Essa não é uma previsão, porque ninguém pode prever o que vai acontecer, mas um cenário com o qual trabalhamos.

Sobre a capacidade dos hospitais brasileiros de absorverem tal aumento de internações, o ministro lembrou que todos os países do mundo "passarão aperto" no caso de uma pandemia dessa escala.

Inicialmente, o governo está destinando R$193 milhões para a compra de antivirais entre 2005 e 2007, R$62 milhões para o aperfeiçoamento dos laboratórios e R$3,1 milhões para o Instituto Butantan para a fabricação de vacina contra o H5N1. Mas, segundo o ministro, as verbas podem aumentar bastante no caso de uma epidemia vir a ocorrer.

Produção de vacina contra H5N1 começa em janeiro

Já a partir de janeiro o país deverá começar a produzir um estoque estratégico de vacinas contra o H5N1, que se dissemina sobretudo na Ásia e já matou 65 pessoas. A tecnologia está sendo desenvolvida por laboratórios ligados à Organização Mundial de Saúde (OMS) e será repassada ao país.

- Mas é bom lembrar que para causar uma epidemia entre seres humanos, esse vírus provavelmente sofrerá uma mutação, ou seja, será diferente, e, para combatê-lo, precisaremos de uma outra vacina - afirmou o secretário de Vigilância Epidemiológica, Jarbas Barbosa.

Se isso vier a acontecer, os especialistas de todo o mundo estimam que serão necessários cerca de seis meses até que se isole o vírus causador da pandemia entre humanos e se comece a produzir uma vacina específica. O Brasil, segundo o ministério, é o único país da América Latina que será capaz de produzir a vacina em larga escala e, provavelmente, poderá até mesmo vendê-la para outros países.

Enquanto isso não ocorrer, o país tentará conter a disseminação da epidemia com o estoque estratégico de nove milhões de doses do antiviral Tamiflu. Inicialmente, o remédio será usado para tratar profissionais de saúde, pessoas mais vulneráveis (crianças e idosos) trabalhadores de serviços essenciais (como transportes públicos), entre outros. Como o Brasil também é o único país da América Latina a ter um estoque do remédio, o ministro não descarta a possibilidade de ceder doses a nações vizinhas que, por ventura, enfrentem algum problema.

Brasil monitora vírus que circulam no país

Segundo Barbosa, o governo está negociando com o laboratório Roche, fabricante do remédio, a possibilidade de transferência de tecnologia para produção local da droga. A quebra de patente, segundo o governo, não está em questão, uma vez que nenhum país do mundo domina o processo de desenvolvimento do remédio.

- Estamos analisando o que é melhor para o país, se a transferência de tecnologia, que leva de dois a três anos, ou a compra do medicamento - afirmou Barbosa.

Para impedir a chegada de uma possível epidemia ao país ou, ao menos, reduzir o seu impacto, o plano de contingência atua em diversas frentes. Aves migratórias que chegam ao país estão sendo testadas regularmente para a presença do vírus H5N1. Além disso, o ministério monitora as cepas de vírus de gripe que circulam no país testando, nas chamadas unidades sentinelas, amostras de sangue de doentes. Atualmente, existem 46 unidades sentinela em todo o país.

Saraiva Felipe, no entanto, se mostra otimista. Ele lembra que o país não está na rota migratória das aves provenientes da Ásia ou do leste da Europa (que estariam disseminando o vírus), que não é um importador de frango (mas sim um grande exportador) e que, além disso, o clima local não favorece epidemias de gripe.

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