Título: Relator recua e agora vê prova de pagamentos
Autor: Regina Alvarez/Isabel Braga
Fonte: O Globo, 18/11/2005, O País, p. 8

'Chame-se isso de mensalão, mensalinho, quinzenão ou o que vocês quiserem', improvisa Ibrahim Abi-Ackel

BRASÍLIA. Cercada de confusão e bate-boca, idas e vindas e um clima de velório, a CPI do Mensalão fez ontem o que deve ser sua última sessão, para leitura do relatório do deputado Ibrahim Abi-Ackel (PP-MG), sem garantia de que a própria sessão e o relatório terão validade regimental. Cobrado por colegas e principalmente pela oposição, Abi-Ackel chegou a improvisar, para fazer referência mais explícita ao mensalão, admitindo pagamentos periódicos a aliados.

Mas o relator manteve sua tese de que o dinheiro ilícito retirado das contas de Marcos Valério por parlamentares petistas e da base aliada foi usado para o caixa dois de campanhas, inclusive a do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Abi-Ackel rejeitou a idéia de mensalão - da forma denunciada pelo ex-deputado Roberto Jefferson - argumentando que é arriscado fazer a relação entre os repasses periódicos a parlamentares aliados e votações em matérias de interesse do governo no Congresso. Não há citação de nenhum dos deputados cassáveis no relatório, apenas de dirigentes e tesoureiros dos partidos.

- Houve recebimento de dinheiro com periodicidade, recursos ilícitos. Chame-se isso de mensalão, mensalinho, quinzenão ou o que vocês quiserem - disse Abi-Ackel, no improviso, fora do texto do relatório.

Prazo oficial da CPI terminou

O prazo oficial da CPI terminou à meia-noite de anteontem, mas, numa manobra de última hora, os integrantes esticaram o prazo por mais um dia, quando se tentou mais uma vez, até tarde da noite, coletar assinaturas para garantir a continuidade dos trabalhos por mais 30 dias. Enquanto os integrantes da CPI ainda tentavam buscar 40 assinaturas pela prorrogação, o seu encerramento já havia sido publicado ontem mesmo no Diário do Congresso.

Embora tenha conseguido o apoio dos líderes partidários no Senado para a prorrogação, o presidente da CPI, senador Amir Lando (PMDB-RO), esbarrou na negativa do líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), contrário à prorrogação.

Mesmo sem valor jurídico, já que sequer foi votado, o relatório de Abi-Ackel recebeu críticas de governistas e de deputados da oposição. No momento da leitura, apenas oito parlamentares estavam presentes na sessão.

- O senhor não ataca bem a questão da compra de votos. Tínhamos que avançar. Essa é uma peça que não fornece subsídios a mais do que a CPI dos Correios - criticou o deputado Fernando Coruja (PPS-SC).

- Ao dizer que não é possível relacionar os parlamentares que receberam vantagens indevidas o senhor generaliza muito - emendou a senadora Ana Júlia Carepa (PT-SP).

Abi-Ackel defendeu-se:

- Deixei claro que era para obter vantagens financeiras indevidas. É melhor ler direito. São oito itens indicativos de formação de bando, de quadrilha. Eu não gosto da palavra "mensalão", mas o que ela significa está dito no relatório.

COLABOROU: Regina Alvarez

Conselho abre processo contra Zulaiê

Tucana diz estar disposta a retirar a ofensa ao presidente

BRASÍLIA. O presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), enviou ontem ao Conselho de Ética requerimento do presidente do PT, Ricardo Berzoini, pedindo abertura de processo por falta de decoro parlamentar contra a deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP). Entre outros ataques a petistas, ela se referiu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva como bandidão. A deputada, que perderá sua vaga como titular do Conselho por causa do processo, disse que sua frase foi tirada do contexto e se dispôs a retirar o xingamento.

- Queria que Lula viesse aqui na Câmara e eu diria: Lula, você não é bandidão - disse ontem a deputada, ao justificar sua declaração, feita numa convenção do PSDB em São Paulo, há cerca de três semanas.

O Conselho abre hoje o processo contra Zulaiê. Josias Quintal (PSB-RJ) foi escolhido relator do caso. A tucana reclamou que o líder de seu partido no Senado, Arthur Virgílio (AM), chamou Lula de idiota e não foi alvo de iniciativa semelhante do PT.

- O outro chamou o presidente de corrupto, idiota, e ninguém representou contra ele. Bandidão é uma palavra aberta que você fala assim... Eles pinçaram essa palavra do meu discurso, descontextualizaram. Fiz um discurso, tenho imunidade parlamentar, o presidente é governo e eu sou oposição. Não o agredi como pessoa, a discussão é política - protestou a deputada

TRECHOS DO RELATÓRIO

MENSALÃO: "Esse recebimento de recursos financeiros não caracteriza exatamente o que se denominou de 'mensalão', ou seja, pagamentos mensais, sistemáticos. Mas houve sem dúvida pagamentos de dinheiro em espécie, em alguns casos como uma só prestação, em outros com prestações sucessivas. A não citação de nomes se deve ao fato de não ter havido confissões pessoais ou de terceiros (salvo no caso do deputado Sandro Mabel), nem flagrante, o que impossibilita assumir responsabilidades por acusações nominais".

VANTAGENS FINANCEIRAS: "Embora o total das diferenças apontadas some aproximadamente R$12 milhões, não alteram elas, no essencial, o fato em si da prática do ilícito: houve recebimento de vantagens financeiras indevidas por parlamentares e dirigentes partidários, com periodicidade variável, porém constante, nos anos de 2003 e 2004".

COINCIDÊNCIAS: "Os gráficos elaborados pelos deputados Júlio Redeck e Odair Cunha demonstram, apesar das diferenças neles assinaladas, a coincidência temporal entre o maior volume de parcelas financeiras transferidas e as votações, no plenário da Câmara, de matérias de interesse do governo. A despeito de indicações que possam resultar do exame dos gráficos ou dos sinais que aparentemente possuam de correlação de causa e efeito, é arriscado acolhê-los como elementos de prova do recebimento de vantagens financeiras indevidas."

FALTA DE PROVAS: "Não é possível relacionar os parlamentares que perceberam vantagens financeiras ilícitas, em virtude da ausência de provas concretas que permitam a atribuição de responsabilidade penal, mas são múltiplos os indícios de que houve distribuição de recursos financeiros a deputados da base de sustentação parlamentar do governo, como ficou acima descrito".

REELEIÇÃO: "As apurações referentes a suborno de parlamentares para a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 1, que dispõe sobre a reeleição para mandatos executivos, há pouco iniciadas, não contêm revelações que mereçam ser registradas."

Legenda da foto: ABI-ACKEL: "Deixei claro que era para obter vantagens financeiras indevidas. Não gosto da palavra 'mensalão', mas o que ela significa está no relatório"