Título: DISCO ARRANHADO
Autor: Mirelle de França/Paulo Thiago de Mello
Fonte: O Globo, 18/11/2005, Economia, p. 29

Pirataria, concorrência e 'download' sufocam o comércio especializado de CDs

O avanço da pirataria, o crescimento da troca de arquivos de músicas pela internet e a concorrência pesada de grandes redes de varejo estão provocando o desaparecimento das lojas especializadas na venda de CDs. Segundo pesquisa realizada pela Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), entre 1997 e 2004 foram fechados 2.500 pontos-de-venda em todo o país. Só no Rio, 95% dos estabelecimentos fecharam as portas, segundo o presidente do Conselho Empresarial de Varejo da Associação Comercial do Rio (ACRJ), Daniel Plá.

- A pirataria é a grande responsável pela redução do número de pontos-de-venda de menor porte, como as lojas de rua. O camelô não paga impostos e vende barato, já o empresário tem De arcar com toda uma estrutura de custos - diz Paulo Rosa, diretor-geral da ABPD.

O executivo ressalta, ainda, que as grandes redes de varejo também são, em parte, responsáveis pela redução do número das lojas especializadas. Comprando em grandes quantidades, essas empresas conseguem negociar preços mais baixos com as gravadoras e revender o produto com descontos atraentes para o consumidor:

- Lojas de departamentos, por exemplo, usam os CDs como principal atrativo para gerar tráfego e negociam grandes quantidades.

Segundo o estudo da ABPD, porém, as lojas especializadas ainda são responsáveis por 57% das vendas de CDs, porque nesse grupo se inclui o comércio eletrônico das grandes redes. Em seguida vêm supermercados e lojas de departamentos, com 20%, e igrejas, com 7%.

Cresce o número de clientes online

Mudanças de hábitos de consumo e o avanço da tecnologia também afetam esse mercado. Em busca de conforto e segurança, cada vez mais os consumidores compram via internet, enfraquecendo as vendas das lojas.

A executiva Maria Helena Darcy há três anos compra CDs pela internet:

- Houve, sem dúvida, uma mudança de hábitos. Não preciso me preocupar em conseguir vaga para o carro, posso pagar com cartão e comprar na hora em que quiser.

Ao lado da compra virtual, está o crescimento do download e da troca online de arquivos de música. Só em 2004, a Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos (Apdif) notificou 4.125 sites que ofereciam ilegalmente conteúdos protegidos pelo direito autoral. Desse total, 4.113 foram removidos da rede.

- O download ilegal prejudica o comércio de CDs e DVDs, mas não é o motivo principal do fechamento das lojas. A penetração da internet no país ainda é pequena. A pirataria ainda é a grande vilã - diz Rosa.

Segundo a ABPD, a maior concentração de consumidores de CDs está na faixa dos 18 aos 35 anos, com 47%. Já a faixa dos 12 aos 17 anos, que, em 2001, respondia por 12%, no ano passado caiu para 7%. A queda se explica pelo fato de serem os mais jovens os maiores adeptos da troca de arquivos pela internet. Na análise por classe social, o estudo descobriu que as classes B e C respondiam por 73% do total em 2004, e a classe A, com maior acesso a computadores, por 12%.

Segundo Daniel Plá, hoje cada bairro do Rio não tem mais do que uma loja de rua. Plá, que também é professor de Varejo da Fundação Getulio Vargas (FGV), diz que as sobreviventes têm um conceito especial:

- A Modern Sound, por exemplo, tem um público exclusivo e que sabe o que vai encontrar ali. Lojas de rua tradicionais, no entanto, foram bombardeadas pela pirataria, pelas grandes redes e pela internet.

Pedro Tibau, um dos sócios da Modern Sound, que fica em Copacabana, concorda:

- As lojas de rua, dessas expostas à fumaça dos ônibus, estão fadadas ao infortúnio. Hoje é essencial oferecer um mix de produtos e serviços. Nós oferecemos entretenimento, além de um catálogo muito variado.

Tibau diz ainda que a pirataria não o afeta muito, porque os produtos vendidos pelos camelôs clandestinos não são os de seu catálogo.

- Dificilmente você encontrará um "Ballads", do John Coltrane, num camelô - afirma.

Além disso, diz ele, seu público-alvo está cada vez mais consciente dos riscos embutidos no ato de baixar arquivos ilegais pela internet, indo desde vírus a sanções legais.

- Ao buscar um arquivo na rede, o internauta acaba descobrindo outros artistas interessantes, o que pode levá-lo a consumir mais.

A New Disc, com 20 pontos-de-venda no Rio e um em São Paulo, é uma das maiores redes de lojas especializadas do país. Para sobreviver, a solução foi negociar bons preços com gravadoras, antecipar lançamentos e facilitar o pagamento.

- É um mercado difícil, mas atraímos o consumidor com lançamentos, bom atendimento e preços competitivos - diz o supervisor-geral da New Disc, Carlos Marinho.

A gigante Fnac também investe em serviços diferenciados. Segundo o gerente da área de Música da empresa, João Diniz Bráz, este ano a venda de CDs cresceu 5% e a de DVDs, 20%.

- Não há como negar os problemas do setor. Mas acreditamos que ainda há espaço para crescer, mesmo com a pirataria e o aumento dos downloads - diz o executivo, ao ressaltar que a Fnac, como a matriz francesa, também vai oferecer download de músicas para seus clientes.

COLABOROU Paulo Thiago de Mello

Legenda da foto: MARIA HELENA Darcy só compra CD pela internet: "Não preciso me preocupar em conseguir vaga para o carro, posso pagar com cartão e comprar na hora em que quiser"