Título: CONTRA A REDUÇÃO DA NATALIDADE
Autor: D. EUGENIO SALES
Fonte: O Globo, 19/11/2005, Opinião, p. 7

No dia 23 de outubro foi amplamente noticiado que o governo francês, apesar de ter a segunda menor taxa de natalidade no mundo, 1,9 filho por casal, inferior somente à da Irlanda, para enfrentar essa grave situação, resolveu doar elevada soma aos casais que se decidirem ter um terceiro filho. Durante um ano cada família receberá, mensalmente, a elevada quantia de 750 euros, cerca de R$2.050,00. Este incentivo faz parte de um projeto para estimular o aumento da taxa de natalidade. Note-se que, atualmente, já existem em vigor diversas medidas para fazer crescer o número de filhos. Uma média de dois por mulher é considerado ideal para manter um equilíbrio populacional. Felizmente, hoje são muitos os países que estimulam o crescimento da prole.

Recordo que, na década de 80, a França havia lançado uma campanha pró-natalidade, resumida nos cartazes e largamente difundida por todo o país, com a fotografia de uma criança e a legenda: ¿Na vida nem tudo é sexo. A França necessita de crianças.¿

E o Brasil? Um jornal de circulação nacional, no ano passado, veiculava a matéria sob o título: ¿Fecundidade cai e não recompõe a população.¿ ¿Pela primeira vez, a taxa de natalidade atinge nível de 2,1 filhos por mulher, o que coloca o Brasil próximo ao padrão dos países desenvolvidos.¿ Lê-se também: ¿O Brasil entrou num processo irreversível de envelhecimento populacional que precisará ser acompanhado pelas políticas públicas.¿ A propagação de recursos químicos de contracepção e o favorecimento do aborto são fatores influentes no desenvolvimento da população.

O fantasma da explosão demográfica, nos anos 50 e 60, apresentava o aumento populacional como grave ameaça à economia e até à sobrevivência da espécie humana. Afirmava ser um perigo iminente. Havia previsões aterradoras no fim dos anos 60. Houve quem declarasse perdida a batalha para alimentar a Humanidade e que milhões de pessoas morreriam a seguir. Na obra intitulada ¿The Population Explosion¿, Paul Erich e sua esposa Anne, mais recentemente, ainda insistiam nos mesmos prognósticos sombrios. Essas e outras afirmações terrificantes serviriam de base ¿ falsa ¿ a uma série de conclusões errôneas. Elas podem ser resumidas na tese elaborada, em 1969, por Garret Hardin (¿O desumano de um bom coração¿), que propugnava uma planificação familiar obrigatória, mesmo nos Estados Unidos. Defendia a tese espantosa segundo a qual enviar comida aos famintos era algo prejudicial e que ¿as bombas atômicas seriam mais caridosas¿.

Essas idéias tiveram influência em nosso meio. Paira, entretanto, silêncio sobre as conseqüências desta política, ou seja: o envelhecimento populacional e seus resultados negativos. Em um país como o Brasil, com imensas áreas despovoadas, as conseqüências assumem maior dramaticidade. Muitos atribuem as causas da nossa miséria ao número de filhos. Quantas vezes surgem ataques injustos à Igreja, acusando-a de responsável pela existência dos meninos de rua e pela miséria em tantas faixas etárias da população ... No entanto, a doutrina católica não ensina uma paternidade irresponsável. Fiel aos princípios morais do respeito à vida e aos objetivos do casamento, ela se opõe ao uso de processos artificiais para reduzir a natalidade. Aceita, contudo, os métodos naturais, também eficazes e sem efeitos colaterais.

Revelam inteligência os dirigentes que aprendem as lições da História e buscam soluções válidas para os problemas, independentemente da pressão da opinião pública quando contrária aos valores evangélicos. Todos somos unânimes no combate à pobreza e na responsabilidade dos pais no tocante à educação dos seus filhos. Esse dever precisa contar com a ajuda da autoridade civil, o que não significa o controle da prole pelo Estado, mas o apoio ao direito da Família ser assistida.

¿Brasileiro está mais velho e tem cada vez menos filhos¿ é o título dado por um respeitado órgão da imprensa em um estudo sobre a situação demográfica no Brasil. Causou-me surpresa o recente retorno à campanha contra a natalidade, a pretexto de apoiar o progresso do país. Os responsáveis pela fome não são os filhos dos menos favorecidos de bens materiais, mas o egoísmo na distribuição de renda nacional que beneficia uma minoria, não atendendo aos necessitados. A Igreja não estimula a natalidade, mas simplesmente enfatiza que compete aos pais, e não ao governo, decidir sobre o número de filhos, utilizando os métodos naturais que, devidamente empregados, são eficazes. Assim nos ensina Paulo VI na encíclica ¿Populorum Progressio¿: ¿A verdadeira solução se encontra somente no progresso econômico e social que respeite e fomente genuínos valores humanos individuais e sociais¿ (nº 48 e 55). E Bento XVI, no dia de Finados, ¿pede intervenções e leis adequadas que amparem as famílias numerosas que constituem uma riqueza e uma esperança, pois país... sem filhos é país sem futuro¿.

D. EUGENIO SALES é cardeal-arcebispo emérito do Rio de Janeiro.

A culpa pela fome não é do pobre, mas do egoísmo na distribuição da renda nacional