Título: Desde 92, pobreza cresceu só entre os negros
Autor: Demétrio WEber, Flávia Oliveira e Ronaldo D'Ercole
Fonte: O Globo, 19/11/2005, Economia, p. 35

Número de pobres caiu cinco milhões, mas há mais 500 mil pretos e pardos vivendo com menos de R$75,50 por mês

BRASÍLIA, RIO e SÃO PAULO. Nos nove anos que separam 1992 de 2001, o número de pobres no Brasil diminuiu em cinco milhões. No entanto, a população negra que vive abaixo da linha de pobreza (R$75,50 per capita ao mês em 2000) aumentou em 500 mil. Dois em cada três pobres brasileiros são pretos ou pardos, proporção que vem se mantendo praticamente constante, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano Brasil 2005, lançado ontem pelas Nações Unidas.

Na publicação, que dedica suas 153 páginas aos temas racismo, pobreza e violência, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) diz que há racismo no Brasil e enumera indicadores que comprovam o abismo entre brancos e negros.

As evidências da desigualdade começam pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), termômetro que a ONU usa para avaliar (e comparar) as condições de vida nos países tomando por base nível de renda, escolaridade e esperança de vida. O relatório traz o IDH de negros e brancos em cada um dos estados brasileiros e os compara ao ranking mundial do desenvolvimento humano. O Brasil ¿ que em 2000 ocupava a 73º posição ¿ apareceria em 44º, entre a Costa Rica e o Kuwait, se levasse em conta apenas a população que se declara branca. Olhando apenas os negros (habitantes que se declaram pretos ou pardos), cairia 61 posições, passando a 105º, entre El Salvador e Moldávia.

¿ O relatório mostra que a desigualdade entre brancos e negros é algo que não se altera na sociedade brasileira ¿ afirmou José Carlos Libânio, do Centro Internacional de Pobreza da ONU, durante a apresentação do relatório.

Diretora do Pnud diz que mito racial acabou

Na média nacional, num resultado que varia de zero a um, o IDH dos brancos é de 0,814, contra 0,703 dos negros. O primeiro grupo integraria o time que a ONU classifica como de alto desenvolvimento humano. O segundo ficaria na seleção de médio-alto IDH. Dentro do país, as diferenças são gritantes. Os brancos do Distrito Federal, o mais alto IDH do país, vivem em condições comparáveis às da República Tcheca, 33º no IDH mundial. No extremo oposto, os negros de Alagoas têm IDH semelhante ao da Namíbia, na África, 122º nação da lista de 177 países. Significa dizer que a população branca ganha mais, vive mais e estuda mais.

Isso não significa que não tenham ocorrido melhorias para todos. O relatório analisou o IDH de duas décadas, entre 1980 e 2000, e mostra uma elevação generalizada no padrão de vida nacional. Em 1980, o Brasil ostentava um índice de desenvolvimento humano de 0,645. Em 2000, alcançou 0,766.

Diva Moreira, editora do estudo do Pnud, assinalou que a pesquisa desfaz de vez o mito da harmonia racial no Brasil. Segundo ela, ainda não há solução para problemas como a pobreza e a violência sem que as políticas públicas contemplem e atuem diretamente na redução da discriminação racial:

¿ O relatório deixa claro que essa situação de desigualdade foi construída ao longo do tempo por políticas de governos ¿ ressaltou Diva.

Como evidência da segregação racial dissimulada, Diva apontou o fato de que no Brasil não há movimentos anti-racistas, como houve nos EUA e na África do Sul, com o engajamento expressivo dos brancos.

¿ Aqui o racismo é coisa de negro, como se o racismo não contaminasse todo o nosso tecido social. O destino da população branca neste país tem a ver com o destino da população negra ¿ disse Diva.

Segundo o relatório, a principal desigualdade entre brancos e negros está na renda. De 1980 a 2000, o IDH da população branca subiu 16,5%, enquanto o dos negros aumentou 24,9%, acima, portanto, da média nacional, de 18,8%. A educação respondeu por 55,5% da melhoria das condições de vida da população negra no período e a renda, por apenas 8,2%. Entre os brancos, a longevidade foi responsável por 51,1% da expansão do IDH.

País priva negros de acesso a cargos políticos de decisão

A disparidade de renda é tanta que a riqueza apropriada pela população branca em 1980 equivalia a 110% dos rendimentos dos negros duas décadas depois, em 2000.

O relatório revela também a existência do que chama de ¿pobreza política¿ existente no país, que priva os negros de acesso a cargos de decisão nas diferentes esferas de poder.

¿ Sem que população negra participe de processos decisórios, a desigualdade racial não será superada no país ¿ disse Diva, do Pnud.

Também presente ao evento, o ex-ministro da Justiça e hoje presidente da Comissão de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo, José Gregori, afirmou que os problemas decorrentes da segregação racial são questões políticas urgentes.

¿ Os candidatos a presidente terão de apresentar projetos consistentes para essa e outras questões, como a pobreza e a violência ¿ disse Gregori.

O Pnud escolheu um local emblemático para apresentar o relatório: o Espaço Reviver, um dos centros comunitários do Capão Redondo, bairro que já foi um dos mais violentos da periferia de São Paulo.