Título: `Na educação, o governo Lula perdeu o foco¿
Autor: Jorge Henrique Cordeiro
Fonte: O Globo, 11/11/2004, O País, p. 14

Às vésperas de lançar ¿A revolução gerenciada¿ ¿ no qual diz que o Brasil deu um salto na educação nos oito anos de governo Fernando Henrique ¿, o ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza diz que o governo Lula perdeu o foco na área de educação, por mudar sucessivamente suas prioridades, e critica medidas do atual ministro, Tarso Genro. Entre elas, a mudança no Provão.

Paulo Renato não vê contradição entre seu diagnóstico e a pesquisa da Unesco que pôs o Brasil no 72 lugar num ranking de educação. Para ele, o filme da evolução da educação brasileira é bom, a fotografia do momento ¿ a pesquisa¿ é que é ruim.

O senhor diz que houve uma revolução na educação no Brasil durante o governo Fernando Henrique, mas a Unesco divulgou um ranking de educação em que o Brasil está na 72 posição. Como explica isso?

PAULO RENATO SOUZA: O filme da educação brasileira é muito bom, mas a fotografia do momento é ruim. Evoluímos muito, mas ainda há muito por fazer. Esses dados todos eram muito piores. Nesse estudo não tem avaliação de qualidade, só dados quantitativos sobre matrícula, evasão escolar, analfabetismo. Concordo com o Tarso (Genro, atual ministro da Educação) quando ele diz que o resultado não é a história do atual governo nem do governo anterior. Herdamos uma situação muito ruim, de anos de descaso.

Como o senhor avalia a gestão de Tarso Genro?

PAULO RENATO: O Tarso é um bom realizador. O problema é que ele, como não vem da área de educação, tem que se fiar em assessores, pessoas que têm idéias um pouco desfocadas na área da educação. A coisa mais importante que aconteceu foi a mudança de foco da atual administração. O governo atual desviou a atenção do ensino básico, tirou a prioridade. No primeiro ano de governo, concentrou-se na questão do analfabetismo com o ministro Cristovam. Quando entrou Tarso, a prioridade passou a ser o acesso ao ensino superior. São temas muito importantes, mas o país ainda não completou o avanço necessário na educação básica. Ainda não universalizou o acesso ao ensino médio, nem à educação pré-escolar, e alguns programas foram abandonados.

Quais, por exemplo?

PAULO RENATO: O programa de treinamento de professores e na questão do livro didático. O governo tornou a avaliação menos transparente ao acabar com os indicadores da avaliação. Deixou de avançar na questão da informatização das escolas, apesar de ter os recursos para isso com o Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações). Acho que o governo perdeu o foco. No ano passado, o governo aceitou uma deliberação que praticamente deixa de exigir nível superior para os professores da educação infantil da primeira à quarta série. São quatro ou cinco pontos que mostram que se perdeu o foco na melhoria da educação básica.

O que achou da entrevista de Tarso no GLOBO sobre seu livro "Esquerda em progresso"? A idéia de uma `democracia radical¿ é viável?

PAULO RENATO: Só li a entrevista agora. Pelo que vejo, ele fez algumas declarações extremamente injustas e oportunistas. Por exemplo, ele diz que o presidente Fernando Henrique seguiu deliberadamente uma agenda neoliberal, mas o governo Lula, que tem feito praticamente a mesma coisa, não pode fazer muito por exigência da realidade. Então antes era uma vontade deliberada de seguir uma agenda neoliberal e agora é uma exigência da realidade? Francamente! Chega a ser caricato. Os políticos no Brasil têm que aprender a ser mais realistas. A população deu um recado nas últimas eleições de que não aceitará mais dissimulação nem oportunismo.

O que acha da mudança no Provão e no programa Universidade para Todos?

PAULO RENATO: O novo exame (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, Enade) é um grande retrocesso. Vamos perder todo o histórico da avaliação que o país já tinha assimilado. Não sei por que a necessidade de mudar para um processo por amostragem, onde vai haver uma volta ao passado, no sentido de transparência nos indicadores de qualidade para aprovar os novos cursos. E o governo erra também na questão do Prouni (Programa Universidade para Todos), essa compra de vagas nas universidades privadas. O governo acerta no diagnóstico, mas erra muito no remédio. Ou seja, comprar vagas pela via da isenção de impostos é um atraso brutal na vida do país. Se o governo queria comprar vagas, deveria ter comprado vagas diretamente, e não dar isenção de impostos. Isso porque a isenção de impostos no passado foi a porta para a corrupção, o desvio de recursos e a fraude ao Fisco.

O governador Geraldo Alckmin é o nome mais forte do partido para 2006?

PAULO RENATO: Sem dúvida ele é o nome mais forte hoje. Obviamente, daqui até 2006 é um longo caminho e ele precisa se fortalecer como um nome nacional. O partido tem outros nomes, eu acho que o próprio presidente Fernando Henrique não descarta a possibilidade de se candidatar, se vier a ser convocado. Eu não acredito e nem ele acredita e deseja isso, conforme ele mesmo expressou em entrevista recente à imprensa, mas obviamente é um grande nome do partido também. Mas acho que hoje o desejo dele é apoiar Alckmin.

O senhor pretende voltar à administração pública?

PAULO RENATO: Ainda não sei. Aproveitei os últimos dois anos para organizar a minha vida privada. Montei uma empresa de consultoria na área de educação em sociedade com meu filho, presto serviço a diversas empresas e publico um boletim mensal (Educação & Conjuntura). Mas eu não fecho a porta para voltar à área pública ou mesmo disputar uma eleição em 2006, dependendo das circunstâncias partidárias. Não estou buscando isso, mas não descarto.