Título: PALOCCI FOI À CÂMARA JÁ NA CONDIÇÃO DE DEMISSIONÁRIO
Autor: Maria Lima, Regina Alvarez e Martha Beck
Fonte: O Globo, 23/11/2005, O País, p. 3

Lula não quis referendar só o discurso da Fazenda

BRASÍLIA. Antônio Palocci foi ao Congresso ontem já na condição de ministro demissionário. Alegou que o novo discurso do presidente Lula, feito na véspera, enfraquece o ministro da Fazenda e não ele pessoalmente. Palocci já avisou a Lula que realmente pretende deixar o governo e não quer influenciar na escolha de seu sucessor, mas vê com simpatia o nome do senador Aloizio Mercadante (PT-SP), líder do governo, para ocupar seu lugar.

Na conversa com Palocci na noite de anteontem, Lula não se comprometeu a referendar apenas o discurso da equipe econômica. Isso foi o que mais irritou Palocci. O ministro da Fazenda acha que o governo não pode titubear na definição de sua política econômica.

¿ Presidente, o governo precisa ter coesão ¿ alertou.

Com outras palavras, Lula disse mais ou menos o seguinte:

¿ A coesão sou eu.

Depois desta, Palocci jogou a toalha.

Ele sabe que Lula não quer na campanha eleitoral do ano que vem uma espécie de ¿governo Malan¿. Para enfrentar o prefeito de São Paulo, o tucano José Serra, ou quem quer que seja, precisa ter um contraponto forte: uma espécie do próprio Serra no governo para tirar o discurso da oposição. Este Serra, para Lula, seria hoje Dilma Rousseff. Malan conviveu com Serra no governo Fernando Henrique, mas Palocci não quer conviver com Dilma.

Palocci, porém, quer manter a fama de um homem ponderado em seu currículo. Não quer e não vai sair atirando. Vai sair ficar fingindo tranqüilidade, normalidade, como se sua saída estivesse sendo negociada. Mas não está. Na conversa, Lula pediu para o ministro ficar.

Palocci tem certeza de que não tem mais nada a favor no governo. Lula teria sido muito influenciado pelos opositores internos da política econômica. Acha que precisa mostrar para Palocci que quem manda é ele. O ministro nunca desafiou o presidente, mas os áulicos de Lula buzinam no seu ouvido que tanto a oposição como a opinião pública acham que o governo já acabou e que só resta Palocci. Lula quer demonstrar que o governo não acabou. Não queria que Palocci saísse, queria o ministro de cabeça baixa. Palocci leu aquela declaração de Lula ¿ ¿A mídia cria pessoas fortes e no dia seguinte acaba com elas¿ ¿ como todo mundo leu: um sinal de fragilidade do próprio presidente, uma manifestação pública involuntária de ciúmes.

Palocci acha que, com sua saída, vai prestar um serviço ao próprio governo: Lula terá que assegurar ao sucessor que não fará com ele o que fez com o demissionário. Palocci afirma que Lula enfraqueceu o ministro da Fazenda. É preciso recuperar o prestígio do ministro da Fazenda, insiste.

Como presidente, Lula ficou com Palocci; como candidato, fica com Dilma

No Congresso, o ministro ontem disse que a política econômica vai ser mantida, independentemente de nomes. Dona Antoninha está muito preocupada com o filho. Palocci está muito ansioso. Isso é um perigo: pode voltar a comer e fumar muito. Já foi gordo e obrigado a fazer um tratamento radical.

Palocci vai tentar fortalecer a posição do seu ministério para poder anunciar oficialmente sua saída. É difícil prever se terá êxito. Se ele estivesse, como articulador político, a reeleição de Lula estaria garantida. Ou talvez não. O ponto fraco de Palocci é não reagir aos errados. Virou tão completamente um político que chega a fingir que é Dilma a Dilma que deveras sente. Ontem acabou confirmando que tem graves divergências com Dilma na questão do ajuste fiscal. Mas Dilma é Lula e Lula é Dilma. Como presidente da República, Lula ficou até então com Palocci. Mas agora que assumiu a candidatura à reeleição, é todo Dilma. O candidato Lula prefere Dilma a Palocci.