Título: NOVOS TEMPOS
Autor:
Fonte: O Globo, 23/11/2005, Opinião, p. 6

Omaior sonho do primeiro-ministro Ariel Sharon ¿ como ele próprio não se cansa de repetir ¿ é o de ser lembrado pela posteridade como o líder de ampla visão militar que redefiniu as fronteiras de Israel, tornando-as mais defensáveis.

Este seria o objetivo grandioso da decisão que tomou como chefe de Governo: a de retirar tropas da Faixa de Gaza e de quatro assentamentos da Cisjordânia sem consultar os palestinos. Mas o maior obstáculo que tem encontrado na execução desse plano é a resistência dos rebeldes de extrema direita do seu próprio partido, o Likud. Por isso pareceu-lhe claro que a única maneira de levar o projeto adiante seria rebelar-se contra os rebeldes, abandonando o partido que ajudou a fundar e que o levou ao poder, para fundar um partido próprio.

A decisão de Sharon é um lance de ousadia que tanto pode garantir-lhe um novo mandato nas eleições antecipadas para março como sepultá-lo politicamente. Mas, independentemente da sorte do premier, Israel só tem a ganhar com o surgimento de um partido de centro. Até poucos dias atrás, todas as forças políticas do país estavam de alguma maneira aglomeradas ou representadas na grande e confusa coalizão do governo Sharon.

Com a recente ascensão do ex-sindicalista Amir Peretz à liderança do Partido Trabalhista, e a derrota do lendário Shimon Peres, os trabalhistas recuperam a sua identidade de força de centro-esquerda, com agenda socioeconômica própria, e muita disposição para resolver rapidamente suas divergências com os palestinos.

Com isso o Likud, livre de Sharon e provavelmente sob comando do ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, ou de alguém ainda mais à direita, poderá manter-se fiel ao princípio histórico de nunca fazer concessões unilaterais, especialmente quando se trata de devolver terras que os ultraconservadores consideram propriedade de Israel desde os tempos bíblicos.

Esse novo quadro, mais bem definido, dará aos eleitores israelenses a possibilidade de escolher com clareza para onde querem levar o país, e quanto estão dispostos a ceder para chegar ao acordo que permita aos condôminos da Terra Santa viver em paz.