Título: `Sobre o fogo amigo, posso não responder?¿
Autor: Martha Beck e Maria Lima
Fonte: O Globo, 23/11/2005, O País, p. 9

Palocci defende a política econômica: `Enquanto o presidente Lula desejar que eu faça este projeto, eu o farei¿

BRASÍLIA. Mesmo afirmando que sua permanência no cargo depende do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, deixou claro ontem em seu depoimento na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados que fica desde que seja para manter a atual política econômica. Palocci disse que os princípios básicos dessa política ¿ controle da inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal ¿ são os melhores instrumentos que existem hoje para chegar ao crescimento econômico.

¿ Eu não acho que as minhas idéias são únicas, mas acho que a atual política econômica é o melhor instrumento disponível hoje. No passado, já experimentamos idéias diferentes e erramos ¿ disse Palocci. ¿ Enquanto o presidente Lula desejar que eu faça esse projeto, eu o farei. Estou fortemente comprometido com esse programa.

Ministro não fala de demissão

Vários parlamentares perguntaram se ele se achava confortável no governo e se havia pedido demissão, como afirmavam blogs na internet. Palocci desconversou na maioria das vezes. Mas disse acreditar que Lula não faria uma loucura por causa de votos no ano que vem.

¿ A impressão que dá é que o senhor está sendo abandonado num navio que está prestas a afundar. O senhor está sendo fritado? É alvo de fogo amigo? Pediu demissão? ¿ perguntou o deputado Silvio Torres (PSDB-SP), ainda no início do depoimento.

Palocci, sério e franzindo o cenho, ouviu as perguntas e, ao responder, disse que não queria falar de fogo amigo.

¿ Sobre fogo amigo, posso não responder? Não quero falar, não. Mas o presidente Lula várias vezes reafirmou que não muda a política econômica. Ele é um homem responsável e não vai ameaçar a estabilidade do país por causa de votos ¿ respondeu Palocci.

¿ Mas o senhor pediu demissão? ¿ insistiu Torres.

¿ Veja, eu dialogo com o presidente sobre várias questões econômicas e as prioridades do governo, mas não discuti esse assunto de cargo. Não vou relatar conversa minha com o presidente. Não sou indiscreto. Mas não há nada nesse campo, essa é minha resposta à nação ¿ completou Palocci, preferindo sempre discorrer sobre a economia quando perguntado sobre sua permanência ou não no governo.

`A diferença está nos resultados¿

Palocci voltou a ser questionado sobre suas divergências com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, por causa da proposta de ajuste fiscal a longo prazo. Ele disse que divergências fazem parte do processo democrático, mas também defendeu a manutenção do ajuste, principal ponto criticado por Dilma.

¿ Tive divergências com a ministra Dilma, mas não posso acreditar que democracia se construa sem debate ¿ disse o ministro da Fazenda.

O deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) chamou Palocci de fundamentalista e conservador, destacando que o governo Lula foi o que mais pagou juros da dívida pública até hoje. Palocci primeiro brincou com as classificações feitas pelo tucano ¿ fundamentalista e conservador ¿ e depois retrucou:

¿ Estou pagando todos esses juros porque me deixaram essa dívida de cerca de 54% do PIB.

Ao ser perguntado sobre o que o diferenciava do governo anterior, o ministro disse:

¿ A diferença está nos resultados. No crescimento, no controle da inflação, na geração de empregos. Todos esses indicadores são melhores hoje ¿ disse Palocci, ressaltando que não faria críticas ao governo anterior, mesmo acreditando que houve alguns equívocos em relação à economia.

A oposição pressionou o ministro durante o depoimento na comissão da Câmara, mas Palocci manteve a calma e a tranqüilidade que já havia demonstrado na semana passada, numa audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Durante todo o depoimento, o secretário-executivo da Fazenda, Murilo Portugal, e o secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, ficaram ao lado do ministro. Sem almoço, ele se alimentou durante o depoimento de suco e paçoquinhas.

Desta vez, além de duras críticas à política econômica, ele foi perguntado sobre irregularidades envolvendo o governo Lula e também sobre a conexão entre as denúncias sobre o período em que ocupou a prefeitura de Ribeirão Preto e sobre a campanha e o governo do presidente Lula. Palocci disse que o presidente Lula mandou investigar todos os problemas denunciados.

¿ O presidente Lula tomou atitude em todos os casos que foram levantados ¿ disse Palocci, que também defendeu Lula ao ouvir que o governo do PT tentou evitar CPIs:

¿ Não gostar de CPIs não é uma coisa deste governo. Problemas existem em qualquer governo ou país, mas o que temos que fazer é que as instituições funcionem.

Os governistas também defenderam o ministro. O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), negou que esteja contra a política econômica defendida por Palocci. O parlamentar afirmou que essa política foi responsável pelo fato de o Brasil ter saído de um período de turbulência em 2002 para uma situação de contas equilibradas. Para Berzoini, graças a isso, as eleições de 2006 devem ocorrer sem sobressaltos.

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