Título: Os dois fogos
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 20/11/2005, O Globo, p. 2

Duas hipocrisias são recorrentes nas discussões sobre a situação do ministro Antonio Palocci. A dos petistas, quando atribuem seus problemas apenas a uma cruzada da oposição para desestabilizá-lo. A da oposição, quando diz que não está fazendo nada. O fogo amigo da ministra Dilma e dos petistas e a tibieza do apoio do presidente Lula é que deixam Palocci na corda bamba.

Como dizia José Genoino, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. As duas existem, se encontraram em hora delicada e se misturaram. Quando Palocci tentou explicar na CAE as denúncias que o atingem, e a oposição o sabotou, trabalhou efetivamente por seu enfraquecimento. E na terça-feira deve aprovar sua convocação à CPI dos Bingos. Ele está disposto a comparecer e o presidente diz que isso é natural. Pode ser, mas é no mínimo insólito. O que o governo exigiu, num acordo com a oposição, é que se marque data. A espada de Dâmocles de um depoimento pesando sobre a cabeça do ministro seria uma chantagem da mais alta leviandade. Aí veremos até que ponto a oposição está disposta a ir em seu ataque.

Há sinais de que PFL e PSDB estão divergindo sobre o tratamento que deve ser dado ao ministro. Como diz um alto tucano, um partido que não tem candidato a presidente da República, como o PFL, sente-se desobrigado nesta briga. Já o PSDB, que tem chances reais de vir a governar o país a partir de 2007, tem interesse em preservar a estabilidade. Se Palocci for eventualmente substituído por alguém descomprometido com o equilíbrio duramente construído - por ações de mais de um governo, como ele reconheceu ao falar na CAE - o PSDB pode vir a receber de fato uma herança maldita. Sem falar que a liberação da gastança no ano eleitoral poderia ajudar mesmo a reeleger o atual presidente.

- Este ano a oposição já resolveu um grande problema para o governo, que foi tirar Severino e deixar seu lugar para Aldo. E ainda correríamos o risco de ser acusados de ter contribuído para o surgimento do Severino econômico - diz o governador de Minas, Aécio Neves, que preferia que a oposição tivesse esgotado o caso das denúncias na CAE mas agora haverá mesmo o constrangedor depoimento à CPI.

E nele, tucanos e pefelistas devem se diferenciar. Os pefelistas acham que os tucanos caíram numa astuciosa armadilha do governo, que teria sido a de armar o cenário de uma possível saída de Palocci para atemorizá-los e com isso obter o abrandamento da oposição na investigação das denúncias contra o ministro. Lula teria participado da pantomina com seus afagos à ministra Dilma e a demora em declarar um apoio mais firme a Palocci - o que acabou acontecendo na sexta-feira. O PT teria feito sua parte amplificando a idéia de um conflito entre Dilma e Palocci sobre a questão do ajuste fiscal - sua profundidade e horizonte. Parece haver nisso teoria conspiratória demais mas as diferenças entre tucanos e petistas devem aparecer no depoimento. Os tucanos devem passar ao largo das questões que envolvem a passagem de Palocci pela prefeitura de Ribeirão Preto, concentrando-se nas questões que envolvem recursos para a campanha de Lula.

Já a outra questão, a do conflito interno no governo, está sendo mal colocada por gente do governo. O que Dilma e os demais ministros querem é uma melhor execução orçamentária; que a Fazenda lhes deixe gastar o que sobre do superávit. E mais cedo, não no fim do ano, quando já é impossível executar a maioria dos projetos. Reclamam que a Fazenda conseguiu fazer 5,2% de superávit até setembro (batendo a meta de 4,25%, que não pedem para ser reduzida).

Analistas econômicos dizem que a Fazenda não fez isso por capricho, para agradar o mercado ou mostrar-se ultra-ortodoxa. Teria agido assim porque percebeu que sem um superávit superior aos 4,25%, a relação dívida/PIB voltaria a subir, prejudicando a queda da taxa de juros e com isso o crescimento. Que Lula e Dilma não estariam compreendendo tal necessidade, tocados pela pressão da disputa eleitoral. Em suas conversas, o presidente tem deixado claro é que precisará gastar mais em 2006 para concluir alguns projetos, mas nega discordâncias sobre a necessidade do superávit ou mesmo de seu aumento. Desde que a sobra possa ser gasta.

O governo gasta mal e não é só por culpa da Fazenda. Mesmo ministérios que têm recursos carimbados, como a Saúde, volta e meia apresentam atraso na execução de metas e projetos. Se Lula quer mesmo preservar Palocci, deve suspender este debate interno, que disse achar saudável, pelo menos até seu depoimento à CPI.