Título: No rastro da prova definitiva
Autor: Alan Gripp/Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 20/11/2005, O País, p. 3

Oposição faz devassa na gestão de Palocci em Ribeirão Preto para desmontar defesa do ministro

Acertada a convocação do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, a ordem da oposição na CPI dos Bingos está dada: desconstruir a defesa enfática feita por ele, semana passada na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, de que não houve corrupção em suas gestões na prefeitura de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. O desafio dos integrantes da CPI é estabelecer uma conexão entre o suposto esquema de Ribeirão Preto e as possíveis irregularidades com a arrecadação de recursos para a campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Daqui em diante, os técnicos que assessoram a CPI dos Bingos, controlada pela oposição, estão incumbidos de vasculhar contratos, analisar cuidadosamente quebras de sigilo, colher provas e encontrar testemunhas que possam desestabilizar o pilar mais sólido do governo petista até agora, para cumprir o objetivo da oposição de minar as chances de reeleição de Lula.

Embora a guerra esteja declarada, a estratégia é atacar com cautela e paciência e evitar sujar as mãos. Nas muitas reuniões de PSDB e PFL semana passada, um ponto foi consenso entre os parlamentares dos dois partidos: a oposição não poderá arcar diretamente com o ônus de uma possível queda de Palocci e, conseqüentemente, de uma desestabilização da economia.

Um dos mais importantes representantes da oposição na CPI disse sexta-feira que uma queda de Palocci, causada pela oposição, pode ser mortal. Nenhum tumulto na economia, disse, pode ser imputado à comissão.

Já o governo vai tentar derrubar o discurso de PSDB e PFL de que fazem uma oposição responsável. O contra-ataque governista vai usar como uma das armas a rejeição à medida provisória que criaria a Super Receita, derrubada anteontem no Senado.

- Toda essa fúria investigatória teria que automaticamente ser transformada em votos para aprovar a Super-Receita, que aumentaria a estrutura para combater a sonegação. Isso é absurdamente contraditório e demonstra que eles (a oposição) não estão a fim de investigar porcaria nenhuma, e sim de fazer palanque - esbravejou a senadora Ideli Salvatti (PT-SC).

Caso não haja contratempo, a convocação de Palocci será formalizada nesta terça-feira. Nos bastidores, o PT tentou impedi-la, mas a tendência agora é votar a favor, uma vez que o próprio Palocci disse na CAE que está à disposição de qualquer CPI.

A data do novo depoimento vai depender da velocidade com que a CPI reúna informações sobre as denúncias referentes à chamada "República de Ribeirão Preto".

- Não é provincianismo, não estou preocupado com a gestão dele em si, mas com o fato de que prefeituras como essa foram usadas como alavancas para esse projeto de poder do PT, que nos levou a tudo o que estamos assistindo hoje - disse o líder do PSDB, senador Arthur Virgílio (AM).

Antes de Palocci voltar ao Senado, a CPI ouvirá um de seus principais comandados: Ademirson Ariovaldo da Silva, assessor especial do ministro, que já teve a convocação aprovada. Ademirson reapareceu nas investigações da comissão com a quebra do sigilo telefônico do economista Vladimir Poletto, acusado de transportar dólares supostamente vindos de Cuba para a campanha de Lula, em 2002.

A CPI descobriu que de 2003 a 2005 os dois se falaram mais de 1.400 vezes por telefone. Com um agravante: a maioria das chamadas (cerca de 1.200) foram feitas ou recebidas por um telefone também usado por Palocci para falar com autoridades e jornalistas.

- Embora não haja como responsabilizar diretamente o ministro, a atuação de Palocci não andou às mil maravilhas como ele disse na CAE - disse o relator da CPI dos Bingos, senador Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN).

Hoje, a principal meta da CPI é encontrar a prova definitiva para fundamentar a denúncia de que a Prefeitura de Ribeirão Preto, na gestão Palocci, recebia uma caixinha mensal de R$50 mil do grupo Leão & Leão, que teria acertado o pagamento da propina para manter contratos de limpeza pública, o chamado escândalo do lixo.

Petista contesta denúncia de Buratti

Nesta semana, a comissão começará a analisar os dados da quebra do sigilo bancário da empresa Leão & Leão, que tentou na Justiça impedir o acesso aos dados. A denúncia foi feita por Rogério Buratti, ex-secretário de Governo de Palocci, em 1993 e 1994, na época amigo do ministro e hoje seu principal algoz. Segundo Buratti, o dinheiro era desviado para campanhas do PT.

Para o PT, as denúncias de Buratti não merecem credibilidade:

- É um ato de violência ética, querer transformar a CPI na CPI do Palocci. Prefiro não acreditar que essa perseguição vai acontecer - afirmou o senador petista Tião Viana (AC), voz quase solitária do governo na CPI dos Bingos. - Já houve uma devassa em mais de 13 mil contratos na gestão Palocci e nada foi provado. O que querem mais?

O MAPA DO CONFLITO

Denúncias com origem na sua gestão em Ribeirão Preto e divergências com setores do PT liderados pela chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, em relação à política econômica são os pontos de desgaste do ministro Antonio Palocci

INVESTIGAÇÕES DA CPI

MENSALINHO: A CPI dos Bingos está analisando dados da quebra de sigilo bancário do grupo Leão & Leão, que já teve como vice-presidente o ex-secretário de Governo de Ribeirão Preto Rogério Buratti. Segundo ele, o grupo pagava mesada de R$50 mil à prefeitura para ter contratos de limpeza pública

PROPINA: A CPI analisa os contratos do Departamento de Urbanização e Saneamento de Ribeirão Preto (Daerp) com a Leão Ambiental, do grupo Leão & Leão, suspeitos de superfaturamento. A ex-superintendente do Daerp Isabel Bordini é investigada pela suspeita de cobrar propina a diretores da Leão & Leão. Ela teria negociado R$300 mil para o caixa dois do PT

CAIXINHA: Os senadores devem convocar o ex-diretor da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Ribeirão Preto (Coderp) Augusto Pereira Filho. Ele denunciou que recebia uma caixinha mensal de R$5 mil da Construtora Vale do Paranapanema

A REPÚBLICA DE RIBEIRÃO: Os negócios dos amigos de Palocci em Ribeirão estão na mira da CPI. Em especial, os do empresário Roberto Colnaghi, maior exportador de São Paulo para Angola. A CPI quer saber se ele foi favorecido por créditos do BNDES

BINGOS: A CPI procura testemunhas da suposta contribuição de R$1 milhão feita por bingueiros angolanos que têm negócios em São Paulo para a campanha do presidente Lula

DIVERGÊNCIAS ENTRE OS MINISTROS

AJUSTE FISCAL: A proposta de ajuste fiscal de longo prazo, defendida pela equipe econômica, foi apresentada pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e chamada de rudimentar pela ministra Dilma. Ela disse que "despesa corrente é vida" para rebater a idéia de limitar o aumento das despesas correntes e ganhou o apoio de setores do PT

SEM REPREENSÃO: Lula evitou fazer uma repreensão pública à ministra, mas queixou-se dela a assessores e políticos aliados. Ficou no ar a expectativa de que o presidente fizesse uma defesa explícita do ministro Antonio Palocci, mas no programa de rádio "Café com o presidente" e nos dois pronunciamentos que antecederam a ida de Palocci à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, a defesa não veio

"ELA ESTÁ ERRADA": No Senado, Palocci disse que Dilma estava errada sobre o ajuste fiscal e que, como o assunto era da área econômica, nada mudaria. Afirmou que só fica na Fazenda se puder manter a política econômica

ELOGIO A DILMA: Na quinta-feira, dia seguinte ao pronunciamento de Palocci, Lula escolheu uma solenidade no Planalto para elogiar Dilma. Não citou Palocci. Diante das perguntas dos jornalistas, disse que não tinha visto o depoimento de Palocci , mas que soube que ele "foi bem"

NO RÁDIO: Na sexta-feira, Lula disse a emissoras de rádio que Palocci "é, sempre foi e sempre será" seu ministro da Fazenda, mas que divergências são saudáveis

Para Lula, um conflito sustentável

Presidente tentará levar queda-de-braço até o fim do governo

BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai tentar levar até o fim de seu governo o conflito na condução da política econômica, marcado agora pelas divergências entre os ministros Antonio Palocci (Fazenda) e Dilma Rousseff (Casa Civil). O presidente não teria gostado de a disputa entre os dois ter se tornado pública. Mas ele próprio alimenta nos bastidores o debate interno, ao mesmo tempo que avalia que dificilmente poderá abrir mão de um dos ministros.

Lula deixou claro em conversas reservadas que não deseja uma solução extrema - a saída de um dos dois. Mas, no caso de a situação se tornar insustentável mais adiante, o próprio Lula e seus interlocutores reconhecem que Dilma teria uma pequena vantagem em relação a Palocci: não há denúncias contra ela. Uma vantagem do ponto de vista externo, uma vez que internamente, na máquina do governo e do PT, Palocci ainda é mais forte.

"Projeto da economia não está em discussão", diz Jaques Wagner

O desafio de Lula hoje, a despeito de alimentar a disputa, é trabalhar pela pacificação dos dois grupos que hoje dividem seu governo: os ministros que querem a flexibilização da política econômica e aqueles que defendem uma linha mais ortodoxa.

O ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, reafirmou, ao fim da longa semana de embates:

- O presidente não abre mão de nenhum dos dois. Também não existe pêndulo no governo. O projeto da economia não está em discussão.

E alerta os companheiros petistas:

- A temporada de debates não está aberta. Agora, o debate de idéias sempre existiu. O que é ruim é jogar o tema publicamente. Na rua, não se discute.

Essa é a linha que o presidente deve adotar: manter o debate internamente, tentar agradar aos dois lados e evitar que a roupa suja seja lavada em praça pública. Nas últimas duas semanas, Lula primeiro deixou que Dilma criticasse a proposta da área econômica de um ajuste fiscal de longo prazo; depois deu sinal verde para Palocci rebater e dizer que Dilma errou ao chamar a estratégia de rudimentar; na seqüência, elogiou Dilma publicamente, quinta-feira; e por último, sexta-feira, manifestou apoio aos dois, em entrevista a emissoras de rádio, e afirmou que Palocci fica onde está.

Na entrevista, o presidente revelou que alimenta a divergência interna, por considerá-la saudável até o limite em que o comportamento não prejudique o conjunto do governo: "Gosto de tensionar a disputa", disse, quando se referiu às divergências internas.

Além de dizer sempre que os dois ministros são colaboradores bem intencionados, Lula afirma a interlocutores que não enxerga em nenhum dos dois interesses políticos pessoais por trás de suas propostas. Situação bem diferente do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu. Apesar da amizade e da convivência de longos anos, Lula sempre tinha um grau de desconfiança sobre a intenção do então ministro, dada suas ambições políticas.

- O presidente é apaixonado pelos dois. Respeita o trabalho de Palocci como condutor da economia e de Dilma como grande gestora do governo. Nenhum dos dois tem projeto político de poder. Isso dá segurança ao presidente de que não há interesse por trás das teses defendidas por eles - diz Jaques Wagner.

Não é só o ministro das Relações Institucionais que tenta pacificar o clima de guerra nos bastidores do poder. Embora discorde de pontos da política econômica e apareça sempre na lista de prováveis substitutos de Palocci, o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), também entrou em ação nos últimos dias para minimizar a disputa e defendeu a importância dos dois para o governo Lula.

- Esse debate sempre existiu em todos dos governos. Mas o presidente Lula está atento. Toda vez que o país enveredou pelo populismo econômico, os benefícios foram passageiros - disse Mercadante.

Oposição acha que PT quer derrubas Palocci

Mas na oposição a análise é de que o PT deseja mesmo derrubar Palocci e a grande dúvida é saber até quando ele pode resistir.

- A oposição tem que ficar o mais distante possível dessa briga para não ser responsável pela queda do Palocci. O PT quer a demissão do ministro da Fazenda para fazer o populismo econômico - avalia o novo secretário-geral do PSDB, deputado Eduardo Paes (RJ).

- A disputa no governo vai levar o PT à sua origem: gastos sem controle, populismo, assistencialismo e ocupação do Estado. Nesse caso, é melhor que a mudança ocorra logo para expor Lula à sua realidade - reforça o líder do PFL, Rodrigo Maia (RJ).

www.oglobo.com.br/pais