Título: AMBIGUIDADES
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 20/11/2005, O País, p. 4

A atitude ambígua do presidente Lula em relação ao Ministro da Fazenda, Antonio Palocci, tem razões pessoais e razões políticas. Não agrada ao presidente ver Palocci apontado pela oposição como o grande avalista da estabilidade política do país, assim como não agradava ver José Dirceu ser apontado como o verdadeiro chefe de governo. Por isso, ter a ministra Dilma Rousseff representando setores do PT e do Ministério na reivindicação de mais verbas para investimentos faz bem ao equilíbrio interno do governo, na sua avaliação. O fato é que o presidente Lula já não defende tão ardorosamente a política econômica de Palocci como já fez, mas não tem uma alternativa segura para contestá-la.

Mas ele precisa entrar na campanha eleitoral dando uma esperança aos militantes petistas que permaneceram no partido de que o segundo mandato será diferente, e que tirará da cartola, finalmente, o tão sonhado - pelos petistas mais radicais - plano B. Por isso está dando corda à ministra Dilma Rousseff, que vocaliza as reivindicações das bases petistas por uma mudança de rumos na economia. O fato de ter elogiado Dilma Rousseff pelo programa de biodiesel não quer dizer, necessariamente, que estava endossando suas críticas ao projeto de ajuste fiscal de longo prazo defendido pelo ministro Antonio Palocci.

Mas, como em política as aparências valem mais do que os fatos, o momento que Lula achou para elogiar a ministra Dilma Rousseff levou a interpretações de que estava endossando suas críticas. O que, tudo indica, não teria sido um erro de cálculo do presidente, mas uma estratégia premeditada. Além do mais, esse projeto, mesmo que tecnicamente seja correto, não é politicamente viável em um ano eleitoral.

Uma das críticas a ele é justamente ser extemporâneo do ponto de vista do momento político petista. Se uma sinalização de ajuste para dez ou 15 anos seria tranqüilizadora para os setores financeiros, levantar esse assunto às vésperas da eleição é um prato cheio para a oposição, que já começou a criticar o que seria um exagerado conservadorismo da equipe econômica.

A condescendência do presidente Lula com as críticas públicas de Dilma Rousseff ao projeto de Palocci dá a ela um poder de contestar a política econômica que não havia sido dado a nenhum outro ministro, mesmo quando José Dirceu era todo-poderoso. Ao declarar, na entrevista às rádios de sexta-feira, que quando há divergências no governo ele reúne os ministros discordantes e determina qual é a "política pública" do governo, Lula, simplesmente deixou no ar a sugestão de que a política econômica de Palocci não tem ainda status de "política pública", ainda está em discussão. Com o agravante de que o próprio Palocci disse que estava no governo para realizar "esta política econômica, e não outra".

Na verdade, o presidente Lula não tem nenhuma intenção de mudar a política econômica, e caberá ao ministro Antonio Palocci ter paciência nesse processo eleitoral para seguir tocando o barco como considerar mais adequado. Caso fizesse uma inflexão na política econômica, Lula entraria no ano eleitoral novamente sob suspeita do mercado internacional e isso se refletiria imediatamente nos números da economia.

Tirar o ministro Palocci por problemas de sua administração em Ribeirão Preto seria aceitável pelo mercado, desde que o substituto não mudasse a linha central da política econômica. O mais provável é que nada aconteça, mas se houver necessidade de substituir Palocci pela inviabilidade política de ele permanecer no governo diante de novas acusações, ou de um improvável depoimento traumático na CPI dos Bingos, o presidente Lula não tem a alternativa de dar uma guinada na conduta da política econômica.

Além disso, Lula tem outra armadilha pela frente, armada pelo seu hoje arquiinimigo Fernando Henrique Cardoso, que resolveu bater no "alto custo que o país está pagando" pelo que classifica de "ultra-ortodoxia" da atual política econômica, ou seja, o custo PT, que faria com que o país cresça a metade do que os demais países emergentes.

Quando Fernando Henrique critica a política fiscal "apertada a ponto de praticamente eliminar o investimento público federal e comprometer serviços fundamentais", ou quando fala que a combinação de taxa de câmbio, dívida interna elevada, taxas de juros altos e controle da inflação "nos condena a taxas de crescimento medíocres e desemprego estabilizado em nível elevado", está reverberando críticas que a própria oposição faz à equipe econômica.

Não importa se "a dose de juros cavalar" funcionou da mesma maneira em seu governo. Não vai dar para o PT fazer essas críticas à política econômica na campanha presidencial, sob pena de Lula fazer uma campanha esquizofrênica e perder o único trunfo que tem para mostrar: um crescimento econômico acentuado. Há quem preveja que o país estará crescendo a 5% nas proximidades da eleição.

Os próximos meses, portanto, serão de tensão crescente, com a política econômica sendo posta em xeque pela base partidária governista, que anseia por mais verbas para gastar no ano eleitoral que já se iniciou. E Lula terá que continuar em uma posição ambígua, defendendo a política econômica mas abrindo espaços para sua contestação.