Título: PARALISAÇÃO DE 84 DIAS NA UFF DIVIDE PROFESSORES E ALUNOS
Autor: Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 20/11/2005, O País, p. 8

Estudantes temem perder inscrição em concursos por causa do adiamento da formatura

O recorde de 112 dias de paralisação em 2001 ainda não foi batido. Mas o cotidiano de transtornos e opiniões rachadas é o mesmo. A Universidade Federal Fluminense (UFF) está em greve há 84 dias, com cerca de 80% de adesão, segundo o comando local do movimento. Há quem reclame da instrumentalização política da greve, há quem dependa do bandejão para almoçar e por isso há três meses gasta mais dinheiro com alimentação, há quem corra o risco de não cumprir o cronograma estipulado para se inscrever em concursos públicos, por exemplo, porque a formatura pode não acontecer dentro do prazo de inscrição.

Em geral, antes de uma greve há uma divisão automática entre os alunos. Como explica o professor de história Sérgio Aboud, do comando do movimento, aquelas profissões mais voltadas para o mercado de trabalho, como as das ciências exatas, tendem a não apoiar greves porque receiam que a paralisação vá atrasar sua entrada na corrida por um emprego, enquanto alunos de ciências sociais tendem a apoiá-las, pois muitos vão tentar se tornar professores universitários.

No caso da UFF, tais atitudes podem mudar. A universidade tem grande contingente de alunos originários de outros municípios e mesmo estados. Jovens alunos dividindo apartamento é um expediente comum na cidade - até cinco no mesmo imóvel. Cada centavo é precioso.

- A universidade quer passar o preço do bandejão de R$0,70 para R$2,50 - diz a estudante de ciências sociais Ana Beatriz Pinheiro e Silva, de 19 anos, aluna do 4º período e que tem tentado almoçar com R$4, porque o bandejão está fechado.

O estudante do 8º período de direito Raphael Antonio Nogueira, de 22 anos, queixa-se do que considera ser uma instrumentalização política do movimento. Cita como exemplo faixas na entrada do campus central aludindo ao mensalão.

- Concordo que a universidade é um palco de debate político - diz Raphael, cuja família mora em Barra Mansa, e no Rio ele divide um apartamento com dois amigos. - Mas não concordo com a instrumentalização.

Pelo lado prático, ele diz que, dependendo da duração da greve e do cronograma de reposição das aulas, perderá prazos de inscrição para fazer a prova da Ordem dos Advogados do Brasil e tentar concursos públicos.

Júlia Lassance Cunha, de 23 anos, estudante do 4º período de medicina, critica o governo por causa da condução das negociações. Ela acha que o governo Lula, como qualquer outro, não tem interesse em negociar. A razão que aponta é meramente econômica:

- O governo acha que a greve não traz prejuízo. Se fosse na Petrobras, a conversa seria diferente.

Um transtorno adicional entrou no calendário. O pólo educacional aberto há três períodos pela UFF e pela Prefeitura de Rio das Ostras fechou em agosto, no início do quarto período, por falta de investimento e por questões legais. Nem todos os cerca de 600 alunos podem fazer como Rodrigo Noel, aluno de computação, de 22 anos, e transferir-se para outro campus. Ele estuda agora em Niterói, onde mora com mais quatro alunos.

- Ninguém sabe o que vai acontecer com o pólo - diz ele.

Legenda da foto: UFF PARALISADA: 80% de adesão