Título: ROTEIRO PARA 2006
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 21/11/2005, O País, p. 4

De ato falho em ato falho, ninguém tem mais dúvida de que Lula é um candidato à reeleição fingindo não estar em campanha. Leva boa chance. Só o fato de continuar no páreo depois de seis meses de pancadaria já é considerável demonstração de força ¿ e a oposição sabe disso. Então, do outro lado temos uma coligação (PSDB-PFL) em campanha aberta, embora ainda sem candidato.

Pela avant première de sexta-feira, que contrapôs Lula no palanque de uma entrevista de rádio a uma convenção do PSDB que tinha tudo de eleitoral menos a data, deu para perceber que será longo e atribulado o caminho. E que, a continuarem as atuais condições de temperatura e pressão, as duas principais forças em disputa serão essas que aí estão.

Bem que seria engraçado se, daqui até lá, surgisse um candidato novo que encantasse o eleitorado, deixando petistas e tucanos no chinelo. Pelos nomes que andam se movimentando na periferia, porém, é grande o risco de a novidade acabar virando piada de mau gosto. Pelo sim, pelo não, o establishment político e econômico prefere trabalhar com as hipóteses hoje postas: Lula X Serra ou Alckmin.

O problema de campanhas antecipadas, porém, é que muitos se esquecem de que o tempo pode ser bom, mas também péssimo eleitor. O quadro hoje está cheio de incertezas e variáveis que vão pesar:

1. Lula ainda não sabe com que roupa vai à reeleição ¿ Não basta Lula estar bem nas pesquisas e ter o apoio teórico do PT. Sem uma articulação social e política bem construída, não tem reeleição. A coligação PT-PSB-PCdoB é mirrada em termos políticos. O ideal seria ter o PMDB em sua chapa ou, pelo menos, neutralizado, sem candidato ou com um que ofereça pouco perigo e tire votos do candidato tucano. Nesse particular, a articulação vai mal: os peemedebistas se distanciam do Planalto e nada fazem para implodir as prévias que podem escolher Garotinho. Outra grande dúvida é quem fará em 2006 o papel de José Dirceu em 2002, construindo alianças, tranqüilizando setores da sociedade e segurando o PT para que o presidente-candidato não tropece a toda hora no discurso do próprio partido. E o marqueteiro, quem será? Tudo isso leva a concluir que naquela mesa está faltando alguém.

2. Ninguém se elege só com os pobres. Tem que reconquistar parte da classe média ¿ Lula tem um trunfo eleitoral nas mãos, o Bolsa Família e suas 11 milhões de famílias beneficiadas. É muito voto. O presidente, com seu inegável carisma, está cevando esse eleitorado e carrega no discurso de novo pai dos pobres. Trata-se, porém, de um jogo perigoso, que pode afastar cada vez mais setores da classe média que ficaram desiludidos com o governo depois das derrapadas éticas do PT. Lula precisa encontrar uma forma de reconquistar o eleitorado que, em 2002, deixou a esperança vencer o medo. É bom lembrar a velha equação: um terço do eleitorado já é do PT; um terço, não é e não será; a fatia que corresponde ao terço restante deu a vitória a Lula, mas agora anda arisca. Sem ela, nada feito.

3. O fator Palocci ¿ ou a contradição da política econômica ¿ É a economia que irá ou não reeleger Lula e pode ajudar a reconquistar setores hoje insatisfeitos. O presidente, Dilma e outros ministros querem executar melhor o Orçamento e gastar mais no ano eleitoral. Palocci resiste. Mas Lula não sonha em mexer em metas de superávit ou mudar a política que está rendendo resultado. Ele sabe que se Palocci sair do governo a economia se desestabiliza e a reeleição vira hipótese remota. A oposição disfarça para não sair com as mãos sujas de sangue e levar o ônus pelo desastre, mas é exatamente isso o que ela quer.

4. O discurso da oposição vai acabar sendo a ética ¿ Se enveredar pela questão da economia, o PSDB pode acabar enrolado. Fernando Henrique condenando a ortodoxia hoje não convence muito.

5. PSDB tem que se unir ¿ O tucanato parece mais amadurecido. Mas não deixa de ser um problema a disputa Serra-Alckmin. Mais forte, Serra precisa de um bom pretexto, tipo um apelo do partido, para deixar a prefeitura. Se Alckmin não sai do páreo e tiver que atropelá-lo, perde o álibi.

6. Coligação com o PFL puxa PSDB para oposição mais radical ¿ Alguns grão-tucanos já perceberam isso: é preciso tomar cuidado para não aderir às truculências do parceiro. Derrotar a MP 258, por exemplo, pegou muito mal.

7. Fator exógeno: mudança nas regras do jogo ¿ Uma mudança na verticalização obrigatória das alianças ainda pode bagunçar o jogo das coligações.