Título: NEGROS DA BAHIA QUEREM AUMENTAR REPRESENTAÇÃO POLÍTICA
Autor: Heliana Frazão
Fonte: O Globo, 20/11/2005, O País, p. 15

SALVADOR. Grupos de diferentes bairros populares de Salvador se encontrarão hoje de manhã para dar a largada na 5ª Caminhada "Reparação já: devotos... e repare!", em celebração aos 310 anos da chamada imortalidade de Zumbi dos Palmares. A programação inaugura ampla campanha que deverá desaguar nas urnas em 2006. Uma série de eventos culturais passará por sete bairros de Salvador, enfatizando ações de enfrentamento ao racismo e a implementação de audiências públicas e debates sobre a importância de eleger parlamentares negros.

- Nosso objetivo é formar uma bancada do movimento negro, com projetos ligados à causa, e 2006 é o momento ideal, com as eleições - diz Walmir França, um dos coordenadores.

Segundo ele, tornou-se crucial para o movimento uma representatividade atuante na política nacional. A despeito de a Bahia ser um estado com população majoritariamente negra, tendo na capital um contingente de quase 87% de afro-descendentes, a representatividade política é ínfima. Apenas um deputado federal, Luiz Alberto (PT), dos 39 que compõem a bancada baiana, é afinado com a causa. Entre os deputados estaduais, o quadro, segundo o movimento negro, não é muito diferente.

- As ações são pouco expressivas, de gabinete. Limitam-se a apoiar as nossas ações - critica França.

Luciana Mota, agente da Pastoral Negros e Negras, é ainda mais incisiva:

- A situação chega a ser vergonhosa. Precisamos de mais nomes e com urgência.

Ela observa que alguns candidatos se aproximam com a proposta de levar a bandeira da militância, mas depois de eleitos, esquecem o compromisso.

- Precisamos de pessoas que demonstrem claramente que estamos lá - prega.

'O tema não avança', diz deputado

O deputado Luiz Alberto (PT-BA) reconhece que a representação política negra baiana, sobretudo no Congresso, é quase nula. Para ele, isso tem a ver com a falta de conscientização da população, mas também com a falta de recursos que amargam as candidaturas dos negros, além do fato de os partidos darem pouca visibilidade a esses candidatos.

- Isso tudo acaba se refletindo numa baixa expressividade nas urnas. Não é que não existam candidatos - afirma Luiz Alberto.

Para o deputado, a falta de representatividade política empobrece os debates no Congresso acerca das desigualdades raciais, tornando-os superficiais.

- Quem pode contribuir para o enriquecimento dos debates está fora da Casa. Aqueles que se dispõem a discutir têm pouco a contribuir e o tema não avança - diz ele.

Estatuto da Igualdade não sai do papel

'Teremos que continuar brigando na Justiça por qualquer avanço'

SALVADOR. O coordenador do Fórum de Entidades Negras da Bahia, Walmir França, cita como exemplo de necessidade efetiva de uma representatividade mais eficiente no Congresso a luta pelo projeto que cria o Estatuto da Igualdade Racial, apresentado em 2001 pelo senador Paulo Paim (PT-RS), que não sai do papel. A medida esbarra na resistência à criação de um fundo para a implementação das políticas públicas.

- Querem aprovar o estatuto sem garantia de verba específica, não vai adiantar, serão letras mortas. Teremos que continuar brigando na Justiça por qualquer avanço. Queremos que o Estado assuma o seu povo miscigenado, a sua essência - diz.

Segundo França, as cotas para afrodescendentes nas instituições públicas de ensino superior foram fruto de uma luta intensa e muito protesto, mas não bastam.

- Quando se fala em políticas públicas lembram logo das cotas. Queremos mais vagas nas universidades federais. Na Bahia, por exemplo, são as mesmas de há 15 anos. Temos uma única instituição federal. Agora que aprovaram mais uma - ressalta.

Problemas vão além das questões educacionais

Os problemas, diz ele, também não se resumem às questões educacionais.

- Ninguém fala em habitação, saneamento, saúde, a violência nas periferias, favelas e morros, identificados como áreas de risco, onde habitamos em maioria. Não há política de peso, de impacto - reclama. - Não queremos nos rebelar como têm feito os jovens das periferias, na França, porque temos espírito democrático. Lutamos pacificamente pelos nossos direitos.