Título: OS TUCANOS EXTERMINADORES
Autor: Elio Gaspari
Fonte: O Globo, 20/11/2005, O País, p. 16

Se não forem respeitados os direitos constitucionais do ministro Antonio Palocci, condestável do governo e quindim da banca, vai-se substituir o Comissariado Petista pelo Comando Tucano. A política de Palocci e de sua ekipe é ruinosa. A idéia de blindá-los é um contubérnio da ganância com a amoralidade. Sua administração em Ribeirão Preto foi um triunfo do aparelho companheiro. A prefeitura licitou a compra de 40 mil cestas básicas exigindo que contivessem latas de molho de tomate com ervilha que só eram fabricadas numa empresa que, por sua vez só as vendia a outra (a Cathita, de São Caetano). Denunciado o golpe, cancelou-se a licitação e fez-se uma compra de emergência. Onde? Numa casa chamada Gesa, de Santo André, de propriedade das ilustres esposas dos donos da Cathita. Casos como esse podem instruir opiniões ou desconfianças, mas quem julga malfeitores e define culpas é a Justiça.

Há duas semanas, o delegado Benedito Antônio Valencise, encarregado de um dos inquéritos de Ribeirão Preto, revelou que os depoimentos de quatro testemunhas, cujos nomes eram mantidos em sigilo, reforçaram a convicção de que Palocci e outras sete pessoas estavam envolvidas em transações de superfaturamento de serviços municipais. Quatro delas trabalharam com Palocci na prefeitura e uma - Juscelino Dourado - chefiou seu gabinete no Ministério da Fazenda.

Seis estão vivos, mas nenhum foi ouvido pela polícia. Depoimentos sigilosos decidindo a incriminação de cidadãos sem que eles sejam confrontados com as acusações danificam o direito das gentes. Dias depois o delegado Valencise esclareceu: "Não há que se falar em indiciamento ainda". Devagar, não se trata de dizer que "não há". O certo seria dizer que "não havia" porque se falar em indiciamento. Por ter falado, agiu mal a polícia paulista. Toda uma geração de brasileiros viveu o trauma das humilhações impostas a Juscelino Kubitschek quando o chamavam para depor em inquéritos policiais-militares, antecipando-se que seria indiciado. Na quarta-feira, Valencise referiu-se a Palocci como "esse senhor". Tudo bem, mas não faz bem à alma dos contribuintes ouvir um delegado tratar o ministro da Fazenda de forma pouco cerimoniosa. Daqui a pouco poderão chamá-lo de "o elemento".

Sob custódia da polícia paulista, na condição de testemunha colaboradora, Rogério Buratti foi obrigado a depor algemado. Mais: filmaram-no enquanto depunha e divulgaram o vídeo. Segundo Palocci, "uma pessoa algemada diz qualquer coisa". Falso. As algemas e a câmera têm a ver com a qualidade da polícia paulista, não com o depoimento de Buratti, confirmado em declarações posteriores, livres de constrangimento.

O aparelho policial do tucanato paulista tem peculiaridades históricas e metodológicas. Para a História, o governador Geraldo Alckmin foi um defensor do delegado Laertes Calandra, reconhecido como sendo o Capitão Ubirajara do DOI-Codi paulista nos anos 70, signatário do pedido de perícia da cela onde estava o corpo de Vladimir Herzog.

Denunciada a presença de Calandra numa relevante função da Secretaria de Segurança, Alckmin disse o seguinte: "Vamos ficar voltando ao passado a cada momento?" Há poucas semanas, quando associar-se a Herzog pareceu-lhe melhor do que defender o delegado, Alckmin voltou ao passado e foi à cerimônia que lembrou o 30º aniversário do assassinato do jornalista, na Catedral da Sé.

Na metodologia, o secretário de Segurança, Saulo de Castro Abreu Filho, viu-se numa rua bloqueada a caminho do restaurante onde ia jantar. Mobilizou sua gente e uma patrulha do Grupo de Operações Especiais da polícia deteve tanto um manobrista como o dono do restaurante. Eles nada tinham feito de errado. O episódio foi denunciado, o Ministério Público decidiu investigá-lo e a assessoria do doutor Saulo disse, em nota oficial, que "houve uso indevido da Justiça para resolver questões pessoais". Dias depois, num bonito exemplo, reconheceu: "Eu não li a nota, lamento e peço desculpas pelo conteúdo".

Alguém deve desculpas a Buratti, aos seis indiciados-não-indiciados e ao ministro Antonio Palocci. É o jogo jogado. Pedem-se desculpas e tocam-se os inquéritos. Quando se sabe que o ex-presidente de PSDB Eduardo Azeredo participou do esforço fracassado para matar a prorrogação da CPI dos Correios, pode-se suspeitar que o tucanato faz acordos no andar de cima enquanto açula a opinião pública no de baixo.

É a demagogia moralista, mais interessada em enganar a platéia e proteger os mensalistas de Furnas do que em encarcerar os ladrões.

O PT-Federal gosta de se dizer vítima de um processo macartista. Refere-se à paranóia anticomunista desencadeada nos Estados Unidos nos anos 50 pelo senador Joseph McCarthy, um charlatão mentiroso e bêbado.

É exagero, mas havia no macartismo um ingrediente que contamina a investigação das malfeitorias do comissariado. O jornalista Richard Rovere, num magnífico ensaio sobre o fenômeno, atribuiu a McCarhy a manipulação do que denominava "a falsidade múltipla". Nas suas palavras:

"A falsidade múltipla não precisa ser uma grande falsidade, mas pode ser uma longa série de falsidades tenuemente conectadas, ou uma simples falsidade com muitas facetas. Em qualquer caso, o conjunto tem tantas partes que se torna impossível mantê-las simultaneamente na cabeça. Qualquer tentativa de demonstração da falsidade de algumas afirmações, deixa a impressão de que só aquelas afirmações são falsas e as outras são verdadeiras". (Um exemplo desse mecanismo: outro dia o signatário escreveu que o ministro Palocci usou o avião do empresário Roberto Colnaghi em que Vladimir Poleto transportou três caixas com encomendas recolhidas em Brasília. Falso. Ele havia desmentido essa informação.)

A "falsidade múltipla", que à primeira vista massacra as vítimas, é uma dádiva para os malfeitores, pois o tumulto do inquérito interessa acima de tudo aos culpados.

Uma nova grife

As moças que batalham à noite nos arredores da Praça Tiradentes, no Rio, tiveram a ajuda de uma ONG escandinava para montar uma pequena confecção onde costurassem suas roupas de trabalho.

A grife das moças vai se chamar Daspu.

Aula de economia

A ekipekonomica envenenou as relações do Brasil com a Argentina convencendo "Nosso Guia" a se afastar do presidente Néstor Kirchner enquanto ele renegociava sua dívida com a banca internacional. Quando não boicotavam os argentinos no FMI, os çábios debochavam da iniciativa em São Paulo. O herege prevaleceu, a banca cedeu, e eles fizeram papel de bobos.

Agora, com um crescimento próximo dos 9%, Kirchner diferencia-se de Lula. Tendo perdido 10% do seu PIB no colapso da paridade cambial, nos últimos três anos a economia argentina cresceu perto de 25%, três vezes mais que a brasileira.

Natasha química

Com o mensalão atrasado, Madame Natasha continua a cuidar do sofrido idioma nativo. Decidiu não conceder sua bolsa de estudo ao doutor Ritzel Tuazon Boer. Ele assina uma mensagem recebida por grandes empresários para participar de um evento chamado "Químico Semana". Diz assim:

"Químico Semana é contente convidar você pedir participar nossa Second Annual Sul-americana Executivo Roundtable.

(Ä) Nossa convite lista inclui CEOs e presidentes de proeminente químico empresas. (Ä) Ligado, você encontrará um convite formal e um general ver por alto da evento."

Natasha não lhe dá a bolsa porque trata-se de caso perdido.